♪Bequadro

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"O homem que não tem a música dentro de si e que não se emociona com um concerto de doces acordes é capaz de traições, de conjuras e de rapinas."

- William Shakespeare

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Não conseguia crer que havia passado a noite toda ensaiando, e agora os efeitos colaterais de passar vinte e quatro horas sem dormir começavam a aparecer. Meu corpo estava pesado e doloroso, minhas pálpebras ficavam mais tempo fechadas do que abertas. O sono me invadia e me distraia, fazendo-me esbarrar nas pessoas mais vezes do que o aceitável para a sociedade.

Havia voltado para casa, porém tive tempo apenas de tomar um banho e pegar algumas partituras extras, nada além disso.

O café que Henri trabalhava estava fechado e tive que forçar minha memória a lembrar de outra cafeteria próxima. Precisava encontrar algum lugar para repor as energias. No fim, não foi tão difícil encontrar um café.

Mesmo depois de comer três fatias de bolo meu estômago continuava a dizer que não era suficiente e implorava por mais. E lá estava eu gastando todo o dinheiro que tinha em um café da manhã. Já deveria ser a minha quinta xícara de café e toda vez que pedia algo a mais para comer acabava pedindo outra dose de cafeína.

Fugir da rotina era estranho, e confesso que sentia falta de conversar com Henri durante minhas refeições matinais. Meu silêncio acompanhado apenas pelo som da cafeteira era desconfortável. Sentia um vazio estando ali, que não seria preenchido com comida.

Paguei a conta e senti o vento gélido contra meu rosto, mais uma vez havia me esquecido de pegar um cachecol e talvez um casaco a mais. E provavelmente esses choques térmicos não passariam despercebidos e um resfriado me esperava futuramente. Coloquei minhas mãos no bolso para aquecê-las e caminhei em direção ao Conservatório.

Durante o percurso notei que as pessoas pareciam alegres demais, como se algo muito bom se aproximasse. Por que todos estavam tão sorridentes a esta hora da manhã?! Não conseguia encontrar um motivo, e sequer deveria me distrair com esse tipo de coisa. Acabaria tropeçando em algo se continuasse a me dispersar desta maneira.

E foi exatamente isso que aconteceu.

Como se fosse preciso apenas pensar para que o universo decidisse que isto seria uma boa ideia, segundos depois levei um belíssimo tombo na frente de dezenas de pessoas. Um ótimo jeito de começar o dia.

No impulso da queda protegi o rosto com as mãos, mas ao levantar e checá-las notei alguns arranhões e aos poucos o sangue começava a escorrer. Maravilha. Uma pianista de mãos machucadas. Em outras palavras, uma pianista inútil.

Com sorte conseguiria locomover os pulsos e os ferimentos não atrapalhariam meus ensaios e não receberia um sermão de Edgar.

Cheguei adiantada para a aula de meu não tão querido professor Adagietto, e graças ao bom Mozart a sala estava vazia.

Toquei algumas escalas para ver se aguentaria ensaiar a sonata que escolhi e talvez eu sofresse um pouco, mas conseguiria disfarçar. Não demorou muito para que Edgar chegasse acompanhado de seu típico semblante sério.

- Bom dia - o cumprimentei.

- Bom dia senhorita Scherzo, que milagre vê-la chegando adiantada - ele tirou algumas coisas de sua pasta e colocou em cima do piano.

Mozart Terminou ComigoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora