UM - Parte 2

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Suspirando, me levanto e olho ao redor. O quarto parece melhor na luz da manhã. As paredes são azul claro, com um padrão floral branco. Franzo a testa. Branco. Como diabos alguma coisa aqui ainda está branca? Aliás... Se isso é um papel de parede, por que é que ele não está descascando horrendamente? Preciso ligar para minha avó. Não acredito que ela mandou alguém vir dar um jeito nas paredes e não falou comigo. Se bem que isso seria a cara dela.

Depois. Ainda tenho que comprar o café da manhã – tem uma padaria um pouco para a frente na rua, eu acho – e então limpar o primeiro andar. E espero que o caminhão da mudança ache esse lugar.

Começo a espirrar assim que saio do quarto, mas... Não está tão mal assim. De noite parecia que o corredor estava muito mais sujo. Ainda tem folhas no chão, então isso não foi imaginação minha, e eu preciso descobrir como foi que elas vieram parar aqui, mas não parece que limpar isso vai ser um trabalho impossível. Ótimo.

Paro no fim da escada e olho ao redor. Talvez explorar o primeiro andar antes do café da manhã seja uma boa ideia... Não. Se eu fizer isso, vou ficar distraída com alguma coisa e quando me lembrar de sair para comer o caminhão já vai estar aqui. Então, não. Comida primeiro.

Quase volto para o quarto para pegar minha mochila. Essa casa tem janelas enormes e uma delas, em algum lugar que não vi, provavelmente está quebrada. Ontem eu estava cansada demais para pensar nisso, mas não parece nem um pouco seguro. Ou talvez isso só seja eu sendo paranoica depois de passar a vida toda na cidade grande. Dizem que cidades menores são mais seguras, não é? Espero que seja verdade.

A grama é bem o que eu me lembro de ter visto ontem: um matagal. Eu nem sabia que grama crescia tanto assim nem faço ideia do que são as outras plantas espalhadas no meio do mato. E tenho certeza de que aquela árvore pequena não foi plantada ali. Bom. Uma coisa de cada vez. Primeiro a casa, depois me preocupo com o jardim. Matagal. O que quer que seja.

Eu nunca nem fui em uma casa que tenha uma entrada assim, esse caminho todo até a rua. Sempre foi o tipo de coisa que eu via na TV, mas totalmente fora do meu mundo. E minha avó tinha essa casa aqui o tempo todo. Vai entender. Ela podia ter vendido a casa há muito tempo, alugado, qualquer coisa... Ao invés disso... Balanço a cabeça. Às vezes acho que minha mãe está certa e vovó está um pouco doida.

Passo pelo portão e o fecho com a corrente e o cadeado que estavam aqui quando cheguei. Se tiver cinco pessoas na rua, é muito, e conto três... Quatro carros. Certo, cidade pequena. Suspiro e começo a andar na direção de onde acho que a padaria é. Tenho a impressão de que vi algo assim quando estava no táxi, ontem.

Pelo que consigo ver, entradas como a da casa da minha avó são normais. Os jardins enormes estão por toda parte, com as casas mais recuadas. E o tamanho das outras casas também é normal, sem aquela mistura de estilos de construção que deixaram a casa da minha avó tão estranha. De certa forma, faz sentido. São casas para famílias, não hospedarias. Não têm que ter quartos para... Não consigo nem pensar em quantas pessoas caberiam na hospedaria. Droga. Acho que isso vai ser a primeira coisa que preciso calcular.

Continuo seguindo a rua. Três quarteirões e ainda nada da padaria. Sem problemas. Não tem como ser muito mais longe. Essa cidade não é tão grande assim. E é estranho não ver muitas pessoas na rua. A minha vida toda, morei em lugares movimentados: cheios demais de gente, cheios demais de carros, barulhentos demais, tudo demais – e menos pessoas me encarando, porque eu era só mais uma no meio disso tudo.

Sustento o olhar da mulher do outro lado da rua que está me encarando. Ela balança a cabeça com força o bastante para jogar sua trança por cima do ombro, mas não para de encarar. Mal educada. Resmungando em voz baixa, continuo andando. Vou comprar meu café da manhã, voltar para casa e esperar o caminhão. Não preciso pensar em uma mulher mal educada na rua. Se tiver sorte, nem vou ver ela de novo.

Quem dera. Tenho que aprender a parar de pensar nisso. Do jeito que tenho sorte, ela provavelmente é minha vizinha ou algo assim e vou encontrar com ela o tempo todo. Além disso, essa parece ser uma daquelas cidades onde todo mundo conhece todo mundo.

Pelo menos as casas aqui são bonitas. Ignoro a mulher e as outras pessoas e volto a prestar atenção no lugar. É... Talvez eu tenha sido um pouco apressada com o "bonitas". A casa na esquina se parece com a minha, no sentido de que acho que alguém tentou misturar todos os estilos arquitetônicos possíveis num mesmo lugar. É estranho e um pouco desconfortável, mas mesmo assim tem seu charme. Acho que a diferença é porque essa casa é bem cuidada, enquanto a minha... Melhor nem comentar. Mas se é assim que ela vai ficar depois que eu terminar a faxina e os consertos, então o trabalho vai valer a pena.

A padaria fica a quatro quarteirões de distância, é pequena e está cheia. Olho para o relógio pregado na parede. Nem oito horas da manhã. Eu devia ter esperado um pouco antes de vir para cá. Mas já que estou aqui, mesmo... Pego alguns pães, peço uns gramas de apresuntado e entro na fila para pagar, ainda ignorando as pessoas me encarando.

— Você está na Nina?

Me viro para o homem atrás de mim. Não tenho a menor ideia de quem é Nina, mas vou chutar que é a dona da hospedaria da cidade. E por que diabos homens acham que uma mulher sozinha vai gostar de um cara desconhecido chegando para perguntar onde ela está hospedada?

— Não.

Olho para o caixa de novo e tento ignorar o homem. Estou começando a achar que vir para cá não foi uma boa ideia. Vou ter que conhecer pessoas novas. Se bem que talvez eu possa só pegar os números de telefone e pedir para entregarem minhas compras...

E não vou olhar ao redor, mas tenho a leve impressão de que umas tantas pessoas estão me encarando. Pode ser só paranoia, mas... Não. Dessa vez não acho que é paranoia.

— Acho que você não é parente de ninguém que eu conheça... — uma mulher começa, em algum lugar mais para trás.

Claro, porque ela conhece a cidade inteira e todos os seus parentes que podem vir visitar. Se bem que, considerando o tamanho desse lugar, isso é possível.

E é justamente por causa do tamanho desse lugar que não vou dar a resposta que quero.

— Dona Marília finalmente vendeu a hospedaria, então? — O mesmo homem de antes pergunta

Suspiro alto e dou de ombros. Por que é que nunca imaginei que ia dar de cara com um monte de curiosos intrometidos em uma cidade pequena como essa? Sempre ouvi falar isso a respeito de cidades pequenas também. Só não acho que tenho que dar satisfações da minha vida toda para pessoas que não conheço – porque se falar que "dona Marília" é minha avó tenho certeza de que vão ter mais perguntas esperando.

Alguém resmunga alguma coisa atrás de mim que tenho quase certeza que inclui a palavra "forasteira", mas não vou perguntar o que é. Não vou nem tentar ver quem falou. Deixa eles especularem o quanto quiserem.

A fila anda e eu coloco minhas compras na frente da mulher que está no caixa. Ela sorri para mim.

— Bom dia e seja bem-vinda.

Reviro os olhos. Claro que ela também estava ouvindo a conversa.

Mas se vou ter que vir aqui com uma certa frequência, é melhor ser educada.

— Obrigada.

A mulher confere o preço anotado nos sacos de papel e soma tudo em uma calculadora barata.

— Chegou hoje? — Ela insiste.

Entrego o dinheiro sem nem esperar ela falar quanto deu.

— Ontem — resmungo.

A mulher ri enquanto pega meu dinheiro e me dá o troco, mas não fala mais nada.

Quase corro para fora da padaria e de volta para minha casa. Não quero mesmo lidar com pessoas agora, muito menos com gente que vai ficar me encarando como a "estranha que acabou de chegar e ninguém conhece". Talvez aquele homem só estivesse sendo gentil, ao modo dele. Talvez... Mas agora, depois de tudo o que aconteceu, não quero ter que pensar nisso.

Abro o portão, passo a corrente de novo assim que entro, e vou na direção da porta. Pelo menos tenho comida. Preciso esperar até o caminhão da mudança chegar com minha geladeira, aí posso realmente fazer compras.

Abro a porta e paro. Mas que...?

Todas as partes da casa que consigo ver daqui estão limpas. Brilhando, na verdade, sem nenhum sinal de poeira ou idade.

Sombra e Luar (Entre os Véus 1) - DEGUSTAÇÃOUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum