CINCO - Parte 1

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Encaro as árvores no quintal. Alguma coisa está diferente de antes, tenho certeza. E não é só o barulho do rádio tocando sertanejo – cortesia de Evandro, que chegou às oito horas em ponto. Mas... É como se a casa estivesse vazia, de alguma forma. Sem vida, quase como meu apartamento em Belo Horizonte. Sem aquela coisa que me fez me sentir bem aqui, mesmo com todas as coisas estranhas.

Eu deveria estar satisfeita, se isso quer dizer que a assombração da casa foi embora. E eu não tive nenhum sonho estranho essa noite, nada de nenhuma presença por perto, o que também deveria ser uma coisa boa. Quer dizer que não estou ficando louca – ou talvez que estou deixando de ficar louca. Que tudo está entrando nos eixos. Mas...

No fim das contas, não consigo ignorar a sensação de que algo está errado. De que eu fiz algo errado e estou perdendo alguma coisa importante.

— Ei! Vanessa!

Fecho a porta da cozinha e volto para o saguão, ainda com minha caneca de capuccino na mão. Evandro está parado no alto da escada, quase se dependurando no corrimão.

— O que foi?

— Você sabia que tem um sótão?

— Como é?

Ele assente depressa.

Um sótão. Além de tudo o que já vi da casa. Certo.

— Espera aí — aviso.

Corro para a cozinha e coloco a caneca em cima do balcão mais próximo antes de voltar e subir a escada quase correndo. Evandro já subiu de volta para o terceiro andar e está me esperando no fim da escada.

— Como... — começo.

Ele não me deixa terminar de falar e praticamente corre para a varanda. Nem parece que tem dezessete anos. Se bem que, considerando que essa casa é "importante" para a história da cidade e estava fechada esses anos todos, acho que posso entender a empolgação dele. Curiosidade e tudo mais.

A entrada para o sótão fica no alto da parede, do lado de fora, e é fechada com uma portinha de metal. Está explicado por que eu não vi isso. Quando vim aqui fora, não olhei para cima. E, aliás, a última vez que vim aqui fora...

— E os colchões?

Evandro dá de ombros.

— Levei de volta para os quartos. Melhor do que ficarem cozinhando aqui.

Acho que isso quer dizer que não estão mais fedendo, então.

— E então, vai subir? — Ele pergunta. — Onde tem uma escada?

Olho ao redor. Sei que não tem nada aqui, mas... É o mesmo lugar onde eu estava no meu sonho, ontem. Eu estava de costas para a casa e para a entrada do sótão, encarando as árvores, bem aqui, com aquela presença ao meu lado por sabe-se lá quanto tempo.

Loucura. Pura loucura. Só um sonho estranho.

Mas eu não consigo deixar de pensar que a casa está parecendo vazia e sem vida hoje justamente porque eu não sonhei com aquela presença. Porque ele não está aqui.

— Vanessa?

Balanço a cabeça com força.

— Vou procurar uma escada, mas não garanto nada.

— Ahhh...

Nem tento segurar minha risada. Ele realmente quer ver o que tem no sótão. Mas, mesmo assim... Não. Deve ter uma escada aqui em algum lugar, mas quando eu achar não vou subir com Evandro. Quero ver o que está lá sozinha, primeiro. E se isso quer dizer que estou ficando louca, que seja.

Sombra e Luar (Entre os Véus 1) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now