QUATRO - Parte 2

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Palmas, de novo. Paro de limpar o vidro da porta que dá para o salão. Sim, não estou imaginando nada.

Deixo o pano que estava usando no chão e corro para a porta. Preciso pensar num jeito melhor de fazer isso funcionar, porque depender de ouvir palmas no portão não vai dar muito certo. Mas também não quero só colocar uma campainha, porque vou continuar precisando correr para abrir e fechar o portão toda vez. O ideal seria colocar um interfone e portão eletrônico, o que provavelmente quer dizer trocar o portão e... Não tenho dinheiro nem para pensar nisso agora.

De onde é que vou tirar dinheiro para reformar a casa toda? Não preciso conferir o que tenho na poupança para ter certeza de que não vai ser o suficiente. Vou ter que priorizar. Fazer o que não posso evitar, agora, e depois, quando tiver alguns hóspedes e algum retorno financeiro pensar no restante.

A pessoa que está batendo palmas no portão é um adolescente. Suspiro. Devia ter pensado nisso. Adolescentes numa cidade desse tamanho? É óbvio que vão estar atrás de algum trabalho.

— Vanessa?

— Isso.

— Minha mãe falou que você estava precisando de uma mão aqui.

Encaro o rapaz dos pés a cabeça. Tenho certeza de que ele ainda não tem dezoito anos, mas não é muito mais novo que isso. Pele marrom clara, cabelo cacheado um pouco maior que o normal... Não, ele com certeza não é filho de Rafaela. Não mesmo.

— Sua mãe?

— Nina, da pousada.

Ah, agora faz sentido.

— Acho que a Rafa ligou para ela ou alguma coisa assim...

E, por mais que eu esteja desconfiada de Rafaela depois que ela falou sobre minha avó sem ter como saber sobre ela, não vou recusar a ajuda.

Abro o portão e gesticulo para o garoto entrar.

— Ela falou o que era?

Ele balança a cabeça.

— Só que você estava querendo reabrir a hospedaria e que tem muito trabalho pra fazer.

Rio e começo a andar na direção da casa.

— "Muito trabalho" é pouco. Como é seu nome?

— Evandro.

— Certo, Evandro, o que você sabe de limpeza?

Ele para logo antes da porta e faz uma careta.

— Minha mãe me coloca pra ajudar na limpar a pousada no verão. Qualquer coisa que estiver precisando, sobra pra mim.

Claro que sobra. Mas isso é melhor do que imaginei que seria, então. Ele provavelmente tem mais noção do que seria a prioridade aqui do que eu vou ter.

Entro no saguão e espero Evandro entrar para fechar a porta. Ele para olhando para o lustre, de boca aberta, antes de olhar ao redor.

— Caralho, isso aqui é enorme! Desculpa!

Dou de ombros, segurando a risada. Estou começando a achar que essa vai ser a reação de todo mundo que entrar aqui.

— É enorme e precisa de uma faxina. Eu não ia ficar tão animado, se fosse você — comento.

Ele sorri e olha para a escada.

— Já limpou aqui em baixo tudo?

Um adolescente que não está resmungando por ter que fazer serviço de limpeza. Na verdade, ele parece estar animado com isso. Acho que agora vi de tudo na vida.

— Mais ou menos. Mas os andares de cima estão bem piores. Não consegui fazer quase nada lá porque tenho alergia, e...

Evandro vai direto para a escada.

— E se mexer com poeira demais vai gastar uma fortuna com remédios depois. Minha prima não pode com poeira também. Posso ir ver?

Dou de ombros e indico a escada com a cabeça. Evandro sobe e vou atrás dele.

— Caralho, isso aqui é gigante.

Cruzo os braços enquanto ele anda um pouco no corredor e olha para os lados antes de encarar a escada subindo.

— E tem mais um andar? Do mesmo jeito que aqui?

— Se do mesmo jeito você quer dizer com uma crosta de poeira, sim.

Ele para e olha para mim.

— Cento e cinquenta por dia.

Estreito os olhos.

— Quantos anos você tem mesmo?

— Dezessete. Terminei o ensino médio ano passado, se é isso que quer saber. Cento e cinquenta por dia, oito horas de trabalho.

Eu preciso agradecer Rafaela. Coisa estranha de saber sobre minha avó ou não, isso é muito melhor do que eu esperava depois das horas que passei no telefone ontem.

— Cento e vinte — falo. — E eu vou conferir com sua mãe se está tudo certo.

— Fechado! Quer o número para falar com ela?

Tiro o celular do bolso e assinto. Evandro fala o número depressa antes de descer a escada de dois em dois degraus. Vou atrás dele, andando mais devagar, e paro quando sinto alguma coisa atrás de mim.

Não. Não alguma coisa. Aquela mesma presença do meu sonho. E eu tenho quase certeza de que ele está rindo, mesmo que eu não esteja ouvindo nada.

— Ei! — Evandro chama. — Onde que estão as coisas de limpeza?

Respiro fundo e desço correndo atrás dele.

E, de alguma forma, eu sei que aquela presença não está mais rindo.

***

N.A.: aaaaaaaaaa lembrei da hora uhuuuuul

Sombra e Luar (Entre os Véus 1) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now