QUATRO - Parte 1

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Estou ficando louca. Essa é a única explicação. Só isso. Uma casa que se arruma sozinha. Um chuveiro instalado por fantasmas. E agora sonhos malucos. Deve ser por isso que todo mundo da cidade se recusa a fazer qualquer tipo de trabalho na hospedaria. Sabem que se vierem aqui vão enlouquecer também.

Por que é que eu aceitei isso?

Não. Não, sem nada disso, Vanessa. Loucura ou não, qualquer coisa é melhor do que ficar em Belo Horizonte depois de tudo o que aconteceu. E eu não me arrependo. Fiz o certo quando denunciei Gabriel. Agora, se querem ignorar provas para proteger o queridinho da empresa, não é da minha conta.

Ou melhor, é, porque é por isso que estou aqui.

Coloco a caneca de café em cima do balcão, com mais força do que queria. Muito bom. Agora só falta eu começar a quebrar a casa porque estou com raiva. É tarde demais para isso – tanto para ficar com raiva quando para achar que vir para cá foi uma má ideia.

Pego minha caneca, que ainda está pela metade, e abro a porta que dá para o quintal. É exatamente a mesma coisa que o sonho. As mesmas árvores, os mesmos arbustos onde acho que tinha alguma coisa plantada... A diferença é que não está tudo iluminado por uma lua violeta. E a mata não me passa aquela sensação de que tem algo a mais escondido ali. Óbvio que não. Era só um sonho, mais nada.

Seria mais fácil acreditar nisso se eu não tivesse certeza de que senti algo parecido com aquela presença do sonho logo que acordei.

Tem alguma coisa de estranha aqui. Com certeza tem. E, agora que estou pensando nisso... Minha avó nunca comentou nada sobre aqui, sobre quando era dona de uma hospedaria. Lembro da minha mãe mencionar isso por alto, mais nada. Aliás, as vezes que minha mãe mencionou a hospedaria, foi com raiva. Por quê?

Olho para trás. Deixei o celular em cima do balcão e não quero voltar para pegar agora. Claro, eu posso ligar para minha avó, perguntar o que realmente aconteceu e porque fingir que a época da hospedaria nunca aconteceu. Mas por que ela me responderia isso agora, sendo que sempre fez questão de não falar nada?

Não. Eu vou dar um jeito sozinha. Não preciso ficar indo atrás de ninguém e minha avó já me ajudou muito mais do que precisava.

E ficar encarando o quintal não vai fazer a casa se arrumar sozinha. Se bem que...

Não. Não, chega disso.

Prioridades. Preciso achar pelo menos alguém para me ajudar a limpar esse lugar, porque não vou conseguir fazer isso sozinha. Não adianta nem tentar. Se insistir, vou acabar é passando alguns dias de cama por causa da crise alérgica.

O que só me deixa uma opção. Por mais que eu odeie ter que pedir ajuda...

Volto para dentro de casa e pego meu celular. Seleciono o contato de Rafaela e encaro o número. Droga. Não queria ter que ligar assim, mas... Não tem outro jeito.

O telefone chama. Começo a tamborilar os dedos na bancada. E se ela não atender? E se tiver anotado o número errado por algum motivo? Eu não...

Alô.

Solto o ar de uma vez.

— Rafaela? É a Vanessa. Tudo bem?

Alguma coisa cai em algum lugar mais ao fundo.

Ah, oi, Vanessa.

— Liguei numa hora ruim?

Dessa vez várias coisas caem e eu acho que ouvi um miado.

Rafaela ri.

Não, não, isso é o normal. Precisa de ajuda com alguma coisa?

Claro, porque é óbvio que eu só ia ligar se precisasse de alguma coisa. Argh. Odeio isso. Odeio mesmo.

Sombra e Luar (Entre os Véus 1) - DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora