TRÊS - Parte 1

453 75 16
                                    

— Isso, preciso de um orçamento para trocar o vidro de uma porta. É a antiga hospedaria, um minuto que pego o endereço completo...

Desculpe, moça, mas não temos como atender agora.

Afasto o celular e encaro a tela assim que escuto aquele barulho contínuo irritante. Ele desligou na minha cara. Absurdo.

Encaro os potes de vidro no outro balcão. Era só o que me faltava, minha avó me deu uma casa assombrada e a cidade inteira sabe disso e ninguém quer vir aqui. É a única explicação possível, porque já faz duas horas que estou sentada na bancada da cozinha com uma lista telefônica na minha frente – e eu não via uma dessas faz anos – e todas as ligações terminaram do mesmo jeito. Tentei pedir indicações na casa de materiais de construção, desligaram. Dois pintores, a mesma coisa. Uma empresa de faxinas, também desligaram. E agora a mesma coisa na vidraçaria. Não tem outra explicação.

E... Okay, agora eu não tenho nem como fingir que o primeiro andar aparecer limpo do nada foi algo normal. Eu continuo sem saber onde ficam os potes, não faço nem ideia se tem mais algum além desses, mas alguém sabia. Não. Não e não. Algo. Não tem ninguém aqui. Eu conferi a casa toda mais cedo e, mesmo que aquele janelão ainda esteja quebrado...

Balanço a cabeça com força. Preciso parar de pensar nisso. Não adianta. Simples assim. Não adianta. E o que quer que esteja acontecendo aqui, que opção eu tenho? Fugir de volta para Belo Horizonte? Para toda a falação por causa de Gabriel? Para tentar arrumar trabalho em alguma área que eu nunca trabalhei antes e que não vão pedir indicações, porque se pedirem...

Não. Não tem outra opção. Eu vou ficar aqui e vou reabrir a hospedaria. Isso vai dar certo. Não posso voltar atrás.

A única coisa que deu certo até agora foi que quando liguei para a companhia telefônica, eles já estavam esperando eu entrar em contato. Minha avó já tinha avisado antes que eu ia precisar tanto do telefone fixo quanto da internet.

Bem que minha avó também podia ter me avisado que a casa era assombrada.

Pego o celular de novo, abro a lista de contatos e seleciono o número da minha avó. Preciso saber o que está acontecendo.

Ou não. Desligo depressa e coloco o celular na bancada. O que eu vou falar? Oi, vó, você sabia que sua casa velha é assombrada e os fantasmas estão dando faxina para mim? Não. É loucura. Ela é a única pessoa que ficou do meu lado no meio da confusão toda, quando Gabriel começou com o show de que eu estava inventando coisas, que eu era louca, que era eu quem tinha feito tudo aquilo... Não. Não posso ligar para ela e dar certeza de que sou louca.

E tenho uma casa gigantesca para arrumar. Se não vou conseguir ninguém para ajudar na faxina, é melhor eu começar a trabalhar logo.

Pego uma blusa velha nas caixas de coisas que estão espalhadas pelo saguão e a amarro no rosto. Melhor fazer o possível para evitar a crise alérgica depois. A prioridade agora são os colchões. Pelo que vi, a maioria deles ainda está relativamente decente. Então é hora de colocar tudo na sacada para tomar um sol e ver se consigo me livrar do cheiro de mofo. Só preciso torcer para não chover.

Começo a tirar os colchões de cada uma das "alas" do segundo andar. Isso me lembra que tenho que descobrir se tem ao menos uma academia aqui. Se vem turistas para cá, quero imaginar que sim. Se bem que não sei nem se vou ter tempo para isso, já que vou ter que cuidar da hospedaria sozinha... E como é que eu vou fazer isso, no fim das contas?

Paro na porta da sacada. Acho que estou ouvindo palmas. Sim. Estou. Deixo o colchão que estava carregando apoiado na parede e corro para uma das janelas que dá para o jardim na frente da casa.

Sombra e Luar (Entre os Véus 1) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now