Capítulo 4 - Modos, algodão e lascas

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Belman e Lifa estavam se dando bem. Tiveram se tornado amigos que se encontravam todo dia na parte de trás da taberna e faziam passeios noturnos na praia. Apesar das conversas variadas, o garoto preferia não voltar a tocar nos assuntos do passado dela, mesmo acreditando que ela diria uma coisa ou duas se ele insistisse, mas ele preferia não ser esse tipo de cara, e como uma reação direta, ele também não falava do seu. Conversas sobre aluguel em Mascapur e salário de garçonete tomavam seu devido lugar. Belman havia se disponibilizado para ajudar a garota em questões de economia e moradia e acabou descobrindo que ela morava sozinha em algum lugar na região das favelas, um lugar que ele julgou longe e perigoso o suficiente para se voltar toda noite. Nessa mesma semana que se seguiu, ele tentou convencê-la a entrar na Tantom's, mas ela se recusava enquanto o rapaz não lhe ensinasse as etiquetas de garçonete que também havia prometido, dizendo que passaria vergonha em público antes mesmo de se apresentar ao taberneiro.

O cozinheiro planejou de se encontrar com a amiga em seu próximo dia de folga, durante a tarde, no começo das favelas. Portanto, neste mesmo dia, ao invés do caminho que Belman sempre percorria, fez uma curva para os interiores de Mascapur, e andou quase que em linha reta para a direção dos subúrbios.

Logo passou perto da feira flutuante, um amontoado de barracas sobre plataformas em um canal largo, onde comerciantes berravam para qualquer cliente em potencial, e muitas vezes os puxavam pelo braço. Não adiantaria se irritar ali, apesar de ser irritante, pois o canal era o único que percorria a região do centro e obrigava o grande comércio a se amontoar e servir para aqueles que quisessem ter passagem para o mar. Um lugar bem diferente da área Manu, mais ao sul, que era recheada de canais, pontes largas e alamedas extensas, onde feiras poderiam se estabelecer e prosperar se assim pudessem. Mas ali só residiam as bancadas que eram assinadas pelo visconde em pessoa, e é claro, pertenciam quase sempre a famílias nobres.

Belman resolveu parar perto de um feirante que vendia utensílios de couro e borracha, e abriu mão de alguns botões para comprar um par de sandálias para Lifa, ao se lembrar que até então, desde o dia em que a conhecera, nunca a tinha visto usar calçados.

Conforme caminhava, já deixando a feira para trás, era possível notar a diferença que o cenário ganhava: grandes campos abertos, mais vegetação rasteira e chão de terra batida. Depois de atravessar um grande canteiro, que aparentemente, servia de divisão com o resto da cidade que deixou para trás, enfim chegou aos subúrbios.

Deparou-se com Lifa sentada numa rocha distante, em frente, porém distante, ao lugar que haviam combinado, num grande gramado. Belman teve que admitir que foi estranho vê-la à luz do sol quando chegou perto, as bochechas coradas e a luz que refletia em seu cabelo castanho quase a faziam parecer outra pessoa. Assim como das outras vezes, ela usava o mesmo vestido e nada havia em seus pés, mas aparentemente, havia ganhado o hábito de tomar banho.

– Senhorita – apresentou-se Belman, com um sorriso.

– Cozinheiro – disse ela de cima da rocha, também sorrindo.

Ele estendeu a mão para ela agarrar, como quem oferece apoio a uma madame para sair da carruagem. Lifa a pegou e saltou da rocha, voltando a ficar na altura dos ombros dele.

– Trouxe um presente – Belman estendeu o par de sandálias para mostrar a ela.

– Comprou para mim? – ela perguntou, tentando esconder um boquiaberto.

– Sim, permita-me – ele abaixou e calçou-as nos pés escuros da amiga, e ficou feliz ao ver que encaixavam bem. Levantou-se, sorrindo para ela. – Espinhos e cacos podem causar um problemão, não é?

Ela revirou os pés, mexendo os dedos pequenos e experimentando a pisada. Por fim, voltou a olhar para Belman, sorrindo com a boca e os olhos.

– Obrigada, muito obrigada.

A Caveira de LuzWhere stories live. Discover now