um ímpeto corajoso

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Estirado sobre o emaranhado de seus lençóis, Taehyung olhava fixamente para o teto de seu quarto. Havia rachaduras e manchas de umidade lá no alto e, nos cantos, pontinhos que não se distinguiam entre insetos ou partículas de pó. Essas eram pequenas coisas que ele observava, só que ele olhava para elas sem de fato vê-las. Seus olhos estavam ali, presos ao branco do teto, mas a sua cabeça tinha ido para outro lugar — vários lugares, na verdade, e ele nem sabia dizer há quanto tempo estava daquele jeito.

Era um início de noite de sábado, um sábado que tinha sido bonito demais para que ele tivesse ficado preso em seu quarto, com a janela fechada, deitado em sua cama, fazendo pouco mais que existir. Tinha saído de lá algumas vezes, é claro, para ir ao banheiro, petiscar alguma coisa na cozinha e perambular sem rumo pelos cômodos vazios do apartamento. E tinha também tentado se ocupar ali mesmo: quis completar uma tarefa de Matemática, pegou um livro para ler, arrancou uma folha de seu caderno e ficou rabiscando bonequinhos esquisitos. Sem sucesso em qualquer uma dessas coisas, acabou se largando no colchão.

Sua mãe estava com um turno comprido no hospital em que trabalhava como enfermeira, e seu irmão mais velho tinha saído com alguns amigos. Taehyung estava sozinho, e, na verdade, isso nem era uma coisa rara e nem mesmo ruim. Ele tinha a casa para si em todas as tardes depois do colégio e também aos sábados, a não ser que o seu irmão não saísse. E ele costumava gostar do silêncio. Era bom para descansar, estudar e se abstrair da rotina de aulas. Mas, de vez em quando, por motivos que nem ele próprio entendia, a solidão e a falta de barulhos se tornava muito, muito ruim.

Ele queria poder dizer que isso acontecia porque tinha grandes problemas com os quais se preocupar; que estava assim por algum motivo terrível, um drama secreto. Quando pensava desse jeito, sentia-se uma pessoa horrível e ingrata. Havia tanta gente com tantos problemas piores, e ele na verdade tinha muita sorte por viver uma vida normal. Não podia reclamar, sabia que não podia. Mas em dias como aquele, dias em que passava a tarde e a noite se afundando em sua cama, ele se sentia muito mal. E não achava que tinha o direito de se sentir assim, afinal, não encontrava uma boa justificativa para a negatividade sob a qual vivia submerso.

Não era como se ele tivesse uma vida perfeita e sem defeitos. Todas as pessoas tinham problemas e dificuldades, ele sabia disso. Mas os seus problemas corriqueiros não eram exatamente a razão de estar como estava. Se estava perturbado naquela noite, não era por algo pontual. Era por causa de uma desordem perturbadora de pensamentos. — culpa de uma espiral de suposições, de uma série de ideias do que poderia ou não poderia acontecer.

Não gostava de pensar demais sobre a própria vida porque, quando fazia isso, chegava perto de enlouquecer. Ficava triste, caía num rodamoinho de ideias, um amontoado de lembranças e suposições, de passado e futuro e pouquíssimo presente — pouquíssimo? Era melhor dizer "nulo". Era como se se desprendesse de sua vida atual: ficava por longos minutos só vivendo o inexistente, o que já tinha vindo e tudo aquilo que talvez viesse. E era muito estressante, frustrante e idiota. Sentia-se um idiota. E o pior era que, em grande parte das vezes, ele não sabia como romper aquele ciclo obsessivo de pensamentos.

Taehyung pensava demais quando tinha tempo para pensar, por isso era melhor que não pensasse, que se ocupasse; que fizesse qualquer coisa, menos pensar. Contudo, naquele dia, não tinha conseguido encontrar motivação suficiente para fazer qualquer coisa. Sequer tinha sentido vontade de assistir a um filme. Quando pegou aquele livro para ler, as palavras não fizeram sentido e ele só reparou nisso quando já tinha divagado. Sentia-se cansado e pesado, por isso deitou-se na cama e se permitiu cair naquela bagunça de ideias intrusivas.

A vida era naturalmente feita de altos e baixos, e não havia uma única pessoa no mundo que não tivesse dias ruins. Só que os dias ruins de Taehyung estavam se tornando frequentes. Quanto mais o tempo passava, e sobretudo quanto mais o fim da escola se aproximava, mais preocupado ele ficava; mais essa sensação de inutilidade, de desesperança, de estar sem rumo no meio de uma multidão alinhada, se acumulava.

harry potter [taekook]Where stories live. Discover now