1. Amanda

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Era domingo. Eu estava aproveitando a minha folga depois de cento e quatenta horas ininterruptas de plantão. Caminhando pela orla da praia do Leblon com a minha melhor amiga, Aline e, admirando a vista que eu praticamente não tinha tempo para contemplar, mesmo morando numa das cidades mais lindas do Brasil.

Pausamos nossa caminhada em frente à um quiosque e iamos nos refrescar com uma água de coco, quando tudo aconteceu rápido demais.

Do outro lado da pista, um carro desgovernado atropelou uma garotinha e uma senhora as lançando alto e longe. Atravessei correndo, com o coração a mil, enquanto o carro fugia sem prestar socorro e em alta velocidade. Fui direto até a garotinha, rezando.

- Não Senhor, de novo não, por favor, permita que ela esteja bem - pedi baixinho.

Quando me agachei perto dela percebi que ela estava acordada, gritei para as pessoas em volta se afastarem e ligarem urgentemente para o socorro.

- Oi meu amor, vai ficar tudo bem, como você se chama? - perguntei, enquanto varria todo o corpo dela com os olhos procurando ferimentos.

Nesse momento a Aline chegou correndo e se agachou ao meu lado enquanto eu fazia os primeiros socorros.

- Anna titia, eu quero o meu papai, está doendo muito - ela chorou.

- Eu sei meu amor, mas vai passar, logo logo, eu prometo - falei enquanto tirava a minha camiseta rapidamente e a rasgava em pedaços para fazer um torniquete na perna esquerda e no braço direito que estavam sangrando muito.

- O que você está sentindo Anna? - perguntei, tentando mantê-la acordada.

- Nada titia, só minha cabeça que dói muito - ela falou.

Não, não, não. Ela estava cheia de ferimentos, não era possível que ela não estivesse sentindo nada. Deus, por favor, eu te suplico.

- Quantos anos você tem Anna? - perguntei.

- 5 anos titia. Fiz 5 anos semana passada - ela falou.

- Olha, a tia vai dar uma olhada na senhora que estava com você e já volta ok?. Os médicos já estão chegando para cuidar de você- falei.

A senhora estava a uns nove metros da Anna, mas aparentemente estava bem já que estava sentada no chão. Conversei com ela um pouco e pedi pra ela não se levantar, e aguardar o resgate. Voltei para Anna no momento que a ambulância chegou.

Eu me encarreguei de tudo e fui junto dela na ambulância que acabou à caminho do hospital onde eu trabalhava por ser o mais próximo. Aline foi junto da outra paciente ferida.

Chegando lá as duas foram direto para uma bateria de exames e a Anna para duas cirurgias de emergência. Ela sofreu várias fraturas e lesões internas, o baço estava comprometido, e uma compressão em uma vértebra a deixou temporariamente tetraplégica, reunimos a equipe com os melhores especialistas para avaliar o quadro.

As cirurgias correram bem e ela foi colocada em coma induzido para que seu corpo pudesse se recuperar. Já haviam se passado seis horas de cirurgia quando eu saí de dentro do centro cirúrgico. Eu estava acabada, e emocionalmente exausta. A Anna lembrava muito minha filha que morreu em um acidente causado da mesma forma quase dois anos atrás.

Eu estava me segurando para não desabar. Eu salvaria Anna por Olivia, eu precisava disso, meu coração precisava ter paz.

Eu me dirigi à sala de espera para conversar com a família. Como a cirurgiã responsável e chefe da UTI, cabia à mim dar a noticia e repassar os detalhes sobre o quadro da pequena. Tirei a touca do cabelo, peguei o prontuário e sai.

DocShoe - Sempre suaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora