Capítulo IV

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O estuário do Tejo no Século XVII era abarrotado das mais diversas embarcações que vinham das colônias, trazendo especiarias, cana, ouro e animais exóticos. Uma das fortalezas à margem esquerda do estuário era conhecida por abrigar criaturas únicas em seus jardins, que serviam única e exclusivamente para o deleite da nobreza local.

Era para tal fortaleza que Diogo dirigia-se no meio da noite, com passos apressados e ciente do senso de urgência passado por seu mestre. Deveriam embarcar na manhã seguinte.

Pelos fundos da imponente fortaleza, construída séculos antes e que resistira a invasões de inimigos e do mar, existia uma entrada vigiada por dois guardas de olhos vermelhos e com pequenas protuberâncias pontudas em suas têmporas. Diogo já os conhecia, eram os guardas.

— Cavalheiros – disse Diogo acenando com uma bolsa de moedas a tilintar. – eu preciso conversar com Madame Dolores, seria possível?

Os dois seguranças trocaram olhares rápidos e Diogo percebeu a interação. Decidiam quem guardaria a bolsa com moedas, pois já haviam aceitado a oferta.

Um dos guardas pegou as moedas com um movimento rápido e se afastou da porta para conferir o quanto haviam recebido. Diogo aproveitou a deixa e entendeu que era para adentrar no recinto.

Do lado de dentro, o ambiente era esfumaçado pela quantidade de narguilés e cachimbos, mas mesmo assim era possível notar a quantidade de homens da alta sociedade portuguesa que se entregavam às carícias no colo de mulheres de corpo voluptuoso. Uma banda de crianças com olhos puxados tocava instrumentos complexos e de melodia hipnotizante e garçons rodavam de mesa em mesa oferecendo doses e mais doses de drinques.

Distraído pelo ambiente, Diogo teve um sobressalto quando uma voz sensual soou por detrás de sua nuca.

—  Procurando por mim? – disse a mulher que estava nas pontas dos pés para alcançar a orelha de Diogo, que aproveitou para mordiscar.

— Sabes bem que eu poderia ter lhe partido em duas? Pelo susto, não sabe? – perguntou ele se recompondo e relaxando a postura com um suspiro demorado.

— Vejam só ele, todo poderoso e destruidor com sua arma nova. – disse a mulher com um sorriso, enquanto rodeava Diogo e levantava a capa que escondia a espada de Belfegor.

— Dolores, não estou aqui para brincadeiras. – respondeu Diogo com um tom firme e segurou a mulher pelos ombros.

Ela se afastou com um movimento rápido e preciso, jogando as mãos de Diogo para longe de seu corpo. Sua feição havia mudado e não restava nenhum traço de alegria, ainda que a beleza da pele morena e cabelos escuros que emolduravam um rosto delicado e de olhos esverdeados, continuasse ali.

—Nenhum homem me trata assim, Diogo. – disse ela, ríspida e cerrando os punhos. – Não é porque nos conhecemos faz mais de um século que pode me tratar de qualquer jeito.

Diogo percebeu que havia passado dos limites. Mas era sempre difícil lidar com Dolores, ele pensava. Mais difícil ainda era resistir a sua expressão enraivecida. Ela sabia como domar qualquer homem com um destes dons que nasce com a mulher, mas que o inferno pode aprimorar como poucos lugares. Disso ele sabia bem.

— Diga do que precisa, Diogo. – disse ela, enquanto olhava ao redor do salão, notando a chegada de dois homens que não costumavam visitar o salão. – Sei que só me procura quando precisa de favores, desde que se embrenhou nessa luta, todo o tesão acabou.

Diogo baixou a cabeça e as memórias invadiram sua mente. Lembranças que datavam de mais de um século atrás, ou talvez dois, e que já esvaneciam devido ao tempo. Sempre que retornava de viagem visitava o salão de Dolores para uma tórrida noite de paixão com aquela mulher que era quente como nenhuma outra. Nunca mais tivera tal oportunidade.

Diogo CãoWhere stories live. Discover now