Tais prazeres violentos

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A noite se aproximava e o cair da escuridão tinha acabado de acontecer, as ruas estavam cheias de pessoas correndo de um lado para outro, embrulhadas em casacos grossos, com os rostos encolhidos e cansados.

As estrelas começavam a sair, pequenos pontos de luz espalhados pelo céu crepuscular. O casal de jovens andava lado a lado, em uma das ruas mais vazias e calmas para evitar a movimentação típica daquele horário. Eles tinham chegado ao alto de uma rua ladeada de lojas, a grande maioria estava fechada e escura, sem um único sinal de vida em seu interior. O garoto estava claramente tentando fazer a garota rir; e continuou tentando até que ela disse algo que o fez calar-se. Ele estava parado diante da entrada para um beco estreito perto de uma loja. O vento que soprava na rua bagunçava seu cabelo e esvoaçava seu sobretudo aberto. Em um suave movimento esticou a mão, pegou a dela e a puxou atrás de si enquanto contornava o prédio e se enfiava nas sombras de uma passagem estreita que se abria para um canal ao longe. Não havia mais ninguém na passagem com eles e a entrada estreita bloqueava a vista da rua.

De uma forma quase predatória, ele abaixou a cabeça e beijou suas bochechas, e então sua boca. Ela se deixou levar, com o coração acelerado, e ele abriu sua boca com a dele gentilmente, se inclinou para ele por uma fração de segundo... e ele se afastou, girando para trás quase como se estivesse bêbado e batendo na parede oposta. Os olhos estavam arregalados e ele ficou ofegante como se tivesse corrido, pressionando as palmas das mãos contra o próprio rosto.

-Klaus- disse ela.

Ele baixou as mãos.

-Só vá embora- falou em voz baixa. Pareceu, por um segundo, que ele queria dizer mais, porém não o fez e passados alguns instantes ela saiu.

Klaus tinha o lábio inferior sangrando, teve que fazê-lo, não tinha escolha, afinal quase a chamou de Thereza por um segundo. Pior do que isso: não conseguia nem ao menos lembrar qual era o nome da garota, só lembrava que era a sexta desde que começou o treinamento. Só lembrava-se que esta tinha cabelos ruivos. Só lembrava que ver essa cor doía, doía muito.

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O "quarto" - que mais parecia uma caverna- era totalmente escuro, com um teto abobadado de pedra rachada, não possuía janelas ou qualquer forma de iluminação que não fossem os musgos luminosos que cresciam aleatoriamente no cômodo. O ar estava rançoso e desagradavelmente doce com o fedor de podridão e carne queimada. Uma mesa cheia de materiais de tortura estava posicionada no centro do cômodo.

Nesse mesmo centro, amarrado em uma cadeira, estava um Celeste.

Sua pele azulada, cabelos e olhos negros revelavam sua ascendência, o uniforme, ainda que em farrapos, e sua atitude orgulhosa deixavam claro que era um membro da Armada, um sobrevivente. As mãos estão presas sob o corpo, os tornozelos foram amarrados aos pés da cadeira na qual ele está sentado. O cabelo estava desalinhado e no lado esquerdo de seu rosto havia um fio de sangue seco e escuro, graças as suas propriedades a ferida provavelmente já fechou, mas a área ao seu redor ainda possui um tom arroxeado. Mesmo que estivesse claramente ferido ainda se sacudia e tentava romper com a força invisível que o mantinha preso na cadeira toda vez que o seu captor molhava um pequeno pano com ácido- ou qualquer coisa do tipo- e apertava contra o seu rosto. O celeste gritava e se contorcia nas amarras, rugia de dor e amaldiçoava tudo e todos, mas a criatura não parava.

Ele era uma coisa grotesca. Flutuava logo acima do chão com o uso de suas enormes asas escamosas, seus quatro braços pendiam ao lado do tronco com descaso e confiança. A criatura olhava pelos seus quatro olhos que brilhavam em um branco-amarelado para o Celeste com algo que se assemelhava a pena. Quando tentou falar fizeram-se notar duas fileiras de dentes afiados como facas. O nojo e desprezo que o cativo sentia eram claros para qualquer um.

Depois da EscuridãoWhere stories live. Discover now