Depois da Escuridão

Sangue e ferrugem

Lerax estava parado, as mãos nos bolsos, e ergueu os olhos robóticos para a torre de vigia que se apresentava estranhamente vazia. Ele e sua comitiva estavam em um processo de discussão sobre o avanço do exército Anima, até que sentiu haver algo errado. "Sentiu" não é a palavra certa, Lerax não possuía tais emoções, consequência de fazer parte de uma raça robótica criada pelos Antigos; pôde escolher quais sentimentos queria ter no momento em que foi feito. Premonições sobre perigo em potencial não estavam entre as opções naquele dia, mesmo sendo tão úteis.

- Está acontecendo alguma coisa - disse ele. - Alguma coisa incomum.

Apex queria retrucar que a única coisa incomum era que ela e os demais sargentos deveriam estar discutindo técnicas militares dentro da sala quente e não parados no frio enquanto seu general ficava olhando para o nada e falando sozinho. Mas havia acabado de conseguir aquela patente e buscava deixar uma boa impressão em todos os presentes, por consequência não se dava a liberdade de dizer o que pensava.

Além disso, Lerax tinha razão. Estava acontecendo alguma coisa. Apex tinha feito sua patrulha antes da reunião e também nos dias antes desse, lembrava-se de como o acampamento ficava calmo quando o sol se punha. Mas hoje à noite havia barulho, o qual vinha principalmente da entrada principal, onde as luzes dançavam como se dezenas de fogueiras tivessem sido acesas.Então viram tochas, pontos inumeráveis de luz de fogo sobre os campos negros à frente, espalhados como flores vermelhas, ou subindo em longas fileiras faiscantes.

Da escuridão vieram tiros e balas zunindo.O grupo se dividiu, com cada um correndo para onde estavam suas armas. Os Anima eram a única raça que ainda utilizava armas de fogo naquela terra, diziam que elas ainda eram comuns do outro lado do Grande Mar, mas ali, onde os Guardiões eram mais fortes e possuíam centenas de fortalezas espalhadas pelo mapa, tais ferramentas caíram em desuso. Curiosamente Lerax, especialmente famoso pela boa pontaria, tinha uma preferência por armas brancas, tais como espadas e machados e por isso foi o único que conseguiu partir direto para o que supunha ser o campo de batalha, enquanto seus sargentos ainda estavam pegando as armas e carregando-as. Quando lá chegou ficou estupefado, se é que possuía tal sentimento, com o que viu. Tudo era sangue e fogo a sua frente.

Ele via bombas caindo de algum lugar a muitos quilômetros acima da planície. Explosões sacodem o chão e o ar, gritos viajam no vento, labaredas lambem a terra e as árvores. A floresta queimava. Deveria ter mil criaturas diferentes, todas surgindo de buracos de completa escuridão no meio do embate. Seres estranhamente parecidos com Anima saiam deles, portando armas e granadas cujo poder é muito maior do que aquele pertencente ao inimigo. Eles não tinham pupilas, e as íris são da cor amarela, brilhantes. Alguns têm as íris brancas. Os rostos estão cobertos por sombras, filetes de escuridão que parecem se desgrudar dos próprios corpos. Suas bocas eram buracos negros e sinistros que pareciam estranhamente costuradas.

Bestas maiores e assustadoras saiam dos "portais" logo depois e há em seus olhos a mesma expressão fria. Alguns são grandes como casas, exibem os dentes afiados e rugem tão alto que poderiam ferir os tímpanos dos inimigos se estes não fossem humanóides robóticos.

Lerax disparou no ar, colidiu contra uma das Coisas e conduziu seu corpo até o solo, dando-lhe um golpe cruel, semelhante a uma tesoura. Ele chutou o corpo decapitado da Coisa para o caminho de outra, um vulto vestido de negro que voava na direção dele segurando o que parecia ser um fuzil de repetição. O inimigo tropeçou, e Lerax o cortou rigorosamente ao meio. O que parecia ser sangue, sangue muito escuro, surgiu na grama. Ele praticamente pulou o corpo morto e caminhou até outro deles, no entanto este foi mais rápido, sacou uma espada e acertou um golpe que ele conseguiu evitar apenas girando o corpo para o lado. A ponta da espada fez um corte superficial em suas costelas. Óleo e água começaram a sair do ferimento. Lerax se abaixou quando a Coisa o atacou novamente, e a espada sibilou por sua cabeça. Ele rodou para levantar e se lançou girando a própria espada. As duas lâminas colidiram com o som de metal estridente.