Histórias e Memórias

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Klaus,

Apesar de tudo, não posso suportar a idéia de que o sangue de nossa família entre em contato com os indignos Guardiões. Envio para você seu anel de família, na esperança de que ele o faça ver a razão.

Estou escrevendo isso vendo o por do sol. Pedirei a sua madrasta que faça com que essas palavras cheguem ao seu conhecimento o mais rápido possível. Eu gostaria de saber o que você está pensando. Quem dera eu pudesse ver o mundo como você o faz. Quem dera eu conseguisse entender sua visão de mundo.

Você me pertence. Finalmente lembrei-me disso. Eu poderia fazer qualquer coisa contigo e você deveria deixar. Eu poderia pedir qualquer coisa e, como meu filho, você partiria tentando me fazer feliz. É assim que sempre foi, é assim que sempre será.

Os pesadelos e visões que está tendo são minha culpa a propósito, pedi a sua madrasta que o fizesse tê-los, para te lembrar do que causou, principalmente da dor. Conto-lhe isso para que saiba que esses últimos meses não são um acontecimento singular separado de todo resto, mas sim o desejo do seu dono sendo realizado. A verdade que ninguém está disposto a dizer em voz alta é que você errou e merece ser punido, somente minha piedade impede que isso ocorra. Então menti para você no passado. Eu te disse que o deixaria partir, mas não sou capaz de dar algo que me pertence a outro alguém.

Eu não te culpo se você me odeia, sinta-se livre para ter tais sentimentos. Mas isso não importa, desde que faça tudo o que eu lhe ordeno, inclusive voltar para casa.

Lorde Strife, seu pai.

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—Dizem que os Celestes sabem todas as histórias do mundo— Mariele sempre dizia isso antes de deitar  todas as noites, e Stern já sabia que ela o faria e o que deveria responder.

— Não,  isso é quase impossível.

— E a história de todo o mundo? — ele também sabia que a Sinergista perguntaria isso

—Provavelmente sim.

— Me conta uma parte— o mesmo pedido, toda vez.

Ele sentou-se com o corpo ereto, tranquilamente.

—Muito bem. — Stern respirou fundo e fez uma pausa. — Dessa vez acredito que será mais um ensinamento do que uma história, mas você vai gostar do mesmo jeito.

Mariele não disse nada.

—  Um dia, vários anos atrás, milhares e mais ainda, só existia uma lua. — Stern agora falava com a linguagem erudita típica de sua raça— Isso foi muito antes das torres dos Antigos, antes dos Anima, dos Celestes. Com toda beleza brilhava sua luz em nosso triste mundo mortal. E então, pela cobiça, nasceram aqueles que conseguiam nomear. Buscavam o conhecimento, a sabedoria, buscavam aprender e crescer.

Ele respirou fundo e soltou o ar em um suspiro.

— Mas nem tudo é paz, os Antigos queriam dominar e controlar, sendo sincero eles buscavam a salvação que há tanto tinham perdido. Gritavam e berravam: "moldamos a vida e a morte, vocês irão nos servir, podemos forçá-los a ceder!"

— E o que eles faziam? — Mariele indagou

—Tudo e mais ainda. No céu fizeram se erguer uma nova luz, para lá enviaram os Anima, eles eram uma raça que os Antigos tinham começado a temer. E então houve duas luas; o começo de uma nova terra.

Sorriu rapidamente, mas logo o desfez

— As novas bestas e criaturas começaram a vagar, matavam tudo e todos. E os Antigos começaram a ordenar "prendam agora esses demônios, vocês precisam nos salvar". E eles obedeceram, a lua nomearam. A partir dali, em noite de luar, todas as bestas se enfraquecem. Assim, sozinho, o homem ergueu seu novo domínio.

— Mas como isso não é sabido?

Novamente ele sorriu, falou em rimas, como os bardos de outros tempos

— Tua história aí a tem, mas não posso te dar teu como nem teu quem. Resta, porém uma mensagem final, atenta agora teu ouvido mortal.

Falou com calma e clareza o final

—Só isso tenho a lhe contar. E nessa noite mais um aviso te dou, transmita-o aos seus, sem temer, tal fato eles devem conhecer. Hoje, as sombras hão de cantar, para o outro lado irão lhe chamar. Peço que lute para permanecer, mas caso se percas a vagar, saiba que a canção deve escutar. Como uma mão estendida deve vê-la, eu te prometo que ela irá protegê-la.   

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Mia acordou com o coração batendo forte, enrolada em um nó de cobertores. Ela se sentou, empurrando os cobertores até a cintura. Estava de volta em sua casa. As paredes eram de madeira escura, e ela estava deitada na cama que dividia com Pauline, ainda vestia o uniforme que usara na noite anterior. Ela deslizou para fora da cama, os pés descalços batendo no chão frio de madeira.

Tomou banho rapidamente e secou-se com uma toalha branca macia, então vestiu uma roupa simples de algodão antes de se conduzir de volta ao quarto, pegando seus sapatos, e se dirigindo para fora de lá. Ela se moveu pelo corredor, em direção a cozinha, aproximou-se de Pauline, que estava na frente do fogão, descalça, com um pano de prato pendurado sobre o ombro, e a beijou na bochecha, como todos os outros dias.

— O que aconteceu com você ontem a noite? Saiu de repente, fiquei preocupada — Pauline perguntou.

— Acho que fui caminhar— Mia encolheu os ombros — pela primeira vez não ouvi o uivo de nenhum lobo, estranhei isso e acho que voltei para casa. Não quis te acordar, pensei que talvez você estivesse dormindo.

A cozinha era um cômodo amplo, com paredes pintadas e janelas largas. Uma imensa mesa de madeira dominava o espaço, cercada por bancos e cadeiras. Tinha pão, queijo, salame e presunto, uvas e geléias de figo, além de uma jarra de suco. Os Guardiões não recebiam dinheiro como pagamento, mas em troca de seus serviços a Ordem garantia a eles uma boa vida, não abundante, boa. Só conseguiam se manter graças ao dom dos Nomes que os Sinergistas possuíam. Só conseguiam se manter graças ao dom dos Nomes que os Sinergistas possuíam, já que aqueles que tinham tal linhagem e sangue treinavam durante a vida toda para poder usar as habilidades que possuíam em sua totalidade. O treinamento começava aos 8 anos,o básico consistia em criar dezenas de itens por dia, para praticar o controle,muitos deles eram escolhidos propositalmente para que possam ser revendidos em seguida. O cômodo estava cheio de luz e projetava um estranho brilho sobre as duas, borrando as feições delas. Comeram em silêncio, aquela quietude de quem não precisa usar palavras para transmitir seu amor.

— Tenho que ir, hoje vamos sair para caçar, não posso me atrasar. Ficaremos mais ou menos uma semana lá — disse a Guardiã, levantando-se da mesa.

— Acho que ainda está meio cedo — respondeu Pauline. —Mas nunca se sabe como estarão as ruas em dia de feira mesmo.

—Exatamente, ainda bem que sou tão inteligente a ponto de pensar nisso. Já volto.

Pauline riu. Elas tinham uma harmonia própria, típica dos casais, por isso essa cena era tão dolorosa. É triste pensar que só uma delas realmente estava pensando na outra.

Depois da EscuridãoWhere stories live. Discover now