Capítulo 5

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Dois meses havia se passado desde que Donna chegara em Chade, já visitara quase todas as cidades vizinhas da capital, e passara por dezenas de aldeias. Por vezes, Donna sentiu o coração doer ao percorrer aquelas ruas, mais ainda ao adentrar algumas casas para as quais ela e Neila eram gentilmente convidadas. O que mais a impactava eram aquelas crianças, que mesmo marcadas por uma vida regada a misérias, muitas exibiam sempre um sorriso no rosto, mesmo que fossem sorrisos banguelas acompanhados de olhares apagados e tristes.

Neila se saiu melhor do que Donna esperava, era sempre solícita e se fazia querida facilmente a cada aldeia visitada, o que em muito ajudava na sua investigação, mas diferente da amiga americana, ela se mostrava indiferente a todo o sofrimento que assistia, não era porque não se importava, mas porque estava acostumada. Aquele cenário triste e miserável não era nenhuma novidade para ela.

Neila lamentava, mas não podia fazer nada, além de, por vezes, tirar do seu próprio café ou outra refeição sua e oferecer para algum pequeno curioso de expressão faminta, que acabava por devorar rapidamente a oferta. A mesma coisa fazia Donna, que sentiu os olhos lacrimejarem ao ver uma garotinha tímida abocanhar a barra de chocolate que oferecera, de tal forma que ela acabou por lhe dar as outras três unidades que trazia na bolsa.

Os dois meses que se passaram foram bastante cansativos para ambas, apesar de produtivos, já que das nove vítimas africanas que Donna acreditava que Vincent fizera, conseguiram informações sobre seis delas. É verdade que não conseguiram muitos registros que poderiam ser aceitos facilmente como provas, já que os laudos obtidos nos necrotérios eram vagos demais, assim como os registros de ocorrências da polícia, ao que parecia, ninguém se importava com o que de fato acontecera àquelas mulheres, e segundo Neila, não queriam alarmar a população, o que explicava o fato da mídia local não noticiar tais acontecimentos.

Ainda assim, Donna acreditava que devia conhecer aquelas pessoas, que indiretamente também foram vítimas do ceifador, e colher os seus depoimentos marcados pela dor da perda e da injustiça que sofriam. Todos alegaram veementemente que seus entes queridos — as vítimas — não iriam se dispor da criança daquela maneira, ainda mais quando algumas estavam no primeiro ou segundo trimestre da gestação, mesmo aquelas que não tinham interesse em manter a gravidez, conheciam inúmeras formas de abortar, assim, a justificativa dada pela polícia e aceita pela mídia não fazia nenhum sentido.

Apenas as suas famílias sabiam que o acontecido não se enquadrava com a normalidade do país, independentemente da violência assolar o dia a dia daquelas pessoas, tinha certeza que aquilo advinha de um ser sem compaixão, um verdadeiro monstro, só não imaginavam ser ele um estrangeiro, um biomédico simpático à frente de pesquisas que tinham como objetivo encontrar a cura para certas enfermidades comuns no país. Vincent viera para combater o mal, mas trouxe com ele a sua própria maldade.

Donna e Neila sabiam, através de boatos, que estavam acontecendo alguns ataques pelas redondezas da capital de Chade, os quais a americana tinha certeza ser obra do ex-marido.

Assim, a cada assassinato do qual ouviam os boatos, Donna e Neila se aventuravam para uma nova cidade, uma nova aldeia, por vezes era até a mesma, os ataques chegaram ao cúmulo de acontecer com duas mulheres da mesma família. Aliás, duas adolescentes, pois lamentavelmente, suas vítimas eram sempre garotas muito novas, além de muito humildes.

Nos Estados Unidos, Donna sabia que não era incomum a sexualidade aflorar cedo, menos ainda a gravidez entre adolescentes, mas ali, tudo parecia acontecer de forma precoce e abundante demais, de uma maneira que chegava a aterrorizar.

Donna se sentia frustrada por não poder fazer nada, no país da impunidade, Vincent jamais sofreria as consequências dos seus atos, seria perda de tempo o acusar ali, assim como se aventurar no hospital ou tentar alguma aproximação, ou até mesmo segui-lo, a fim de tentar evitar um dos muitos assassinatos que ela tinha certeza que Vincent ainda ia protagonizar, seria demasiada loucura, pois colocaria em risco a si e a sua guia também. Não importava o que fizesse em Chade, tinha certeza que não teriam como pará-lo.

O Ceifador de Anjos: A Última CeifaWhere stories live. Discover now