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                                                                    chapter 1 

Abro a porta do carro, despedindo-me do meu pai ao mesmo tempo. Ele acenou-me, com um sorriso confiante que este ano ia correr bem como ele tem previsto. Mas o problema é ele que prevê enquanto eu não vejo nenhum futuro em mim. As crianças sonham sempre com o que querem ser, mas eu nunca soube que profissão é que devia tomar. Ainda tenho tempo para pensar nisso, mas por agora tenho o trabalho no café e já vou com sorte.

Lembro-me tão bem como o meu pai tentou o verão todo para me arranjar aquele trabalho. A minha mãe estava sempre fora, por ser advogada e trabalha horas e horas. Não tem muito tempo para mim, e o meu pai reparou nisso e agora quer fazer-me sentir uma adolescente feliz. E para isso, foi inscrever-me para um trabalho no café para me entreter nas horas mais aborrecidas. Não é mau de todo, aliás eu acabo por arranjar uns trocos e tornou-se rotina quando me aceitaram. Sair de casa com o uniforme vestido ou até mesmo trazer para a escola porque o meu turno no café é logo a seguir às aulas.

Passo pelo portão azul já cheio de ferrugem pela quantidade de vezes utilizado pelos camiões de comida que passavam para encher o bar e o refeitório da escola. Uma corrente fria faz-me tremer, protegendo as minhas mãos no bolso do meu casaco. Sinto a folha amarela a arranhar-me o indicador, tirando logo a seguir a pequena folha de papel onde estava a mensagem escrita pelo anónimo - H.

Quem quer que seja devia saber que não sou nenhum monstro de sete cabeças que o vai morder só por falar comigo. Posso muito bem suportar uma conversa com desconhecidos e logo a seguir passarem a conhecidos. Esta mensagem deixou-me um pouco ofendida, lisonjeada, e curiosa. Ofendida porque eu não quero que as pessoas tenham medo de mim e faz-me sentir um monstro. Lisonjeada pelos elogios escritos. E por fim, curiosa porque eu quero saber quem é a pessoa - H. Eu não conheço ninguém que comece por H, a não ser Helen. Mas acho que ela não me vai mandar uma mensagem onde diz que sou bonita e é minha admiradora visto que ela é minha amiga, e gosta de rapazes. Ou talvez ela possa ter mandado aquela mensagem, para gozar comigo.

Ela anda muito em cima de mim sobre os rapazes. Diz que sou demasiado sarcástica para eles e bastante calada quando eles se aproximam. Ao contrário dela, ela consegue fazer conversa com quem quiser, sem ter medo do que as pessoas possam pensar dela. O que é bom. 

Guardo de novo a mensagem no bolso quando vejo Emily e Helen sentadas nos bancos brancos localizados à frente dos pavilhões. Agradeço por não termos aulas lá em cima, porque senão tinha de subir lances de escadas. Sento-me ao lado delas enquanto fecho o bolso do meu casaco, com o objetivo de não deixar o pequeno bilhete cair. Ou alguém podia roubá-lo.

- Bom dia! - Elas cumprimentam em coro quando me viram a pousar a mala e a sentar-me ao lado delas.

- Bom dia. - Retribui.

- Como correu ontem com o turno no café?- Helen pergunta.

- Correu bem. - Respondo.

- Nada de interessante? Nem de misterioso? - Emily pergunta.

- Não. Nada com que me tenha de preocupar. - Dou o meu melhor sorriso.

Eu sei que estou a mentir, mas até eu descobrir quem é este -H, não lhes vou contar. Não as quero preocupar, pois isto não é nada demais, é só alguém que tem vergonha de falar comigo. Vou fazer com que isso mude, e ninguém tenha problemas em falar comigo. Sim, eu sei que sou um pouco aborrecida mas estou sempre lá para as pessoas por mais que me custe fazer alguma coisa.

- Recebeste a minha mensagem?- Helen pergunta, pondo-me de olhos bem arregalados.

- Hum sim.- Respondo, levantando uma sobrancelha.- Por acaso assinas-te esta mensagem?

- Porque haveria? Tu tens o meu número! - Ela responde.

- Oh.

*       *       *

Aperto o avental azul à volta da minha cintura, olhando para os bolos em cima da bancada da cozinha. Tinha de os arrumar nos respetivos lugares antes que Luís, o meu chefe, chegasse. Suspiro pela dor dos meus ombros, por causa da mochila da escola. Parece que ainda tenho a impressão do peso a fazer força nos meus ombros como se tivesse posto pedras lá dentro. Estalo os meus dedos como uma forma de me dizer que eu estava pronta para fazer o trabalho. O café meio cheio e Anna andando de um lado para o outro com tabuleiros a serem segurados pelos seus braços.

 Faço um rabo-de-cavalo, antes de pegar no tabuleiro dos bolos e levar para a montra onde estaria à vista de todos. Umas crianças observavam-me a pôr os bolos com cuidado, com uma cara de babadas. Volto a pôr o tabuleiro no sítio, pondo a loiça suja logo a seguir no meu campo de visão. Observo Anna ainda a servir clientes que tinham entrado a alguns minutos, isso queria dizer que tinha de ser eu a pôr a loiça suja na máquina. Baixo-me para abrir a máquina de lavar loiça, quando oiço um barulho de tachos a cair. À espera que fosse Anna, olho para a figura alta à porta da cozinha de costas para mim. O seu casaco preto e capucho tapavam a sua cara, pondo-me um pouco assustada. Conseguia ouvir a sua respiração enquanto me aproximava mais dele ou dela.

- Quem és tu? - Pergunto.

A resposta que obtive foi o silêncio completo, mas quase saltei quando outro papel amarelo foi colocado em cima do mini frigorífico para os empregados. O individuo fechou o fecho do casaco antes de sair da cozinha sem dizer uma palavra. Olho para o bilhete e logo a seguir para a figura que saia do café deixando-me especada. Pego no pequeno bilhete e quase salto quando leio. 

Sou eu. Eu queria deixar-te este bilhete no teu casaco, mas os tachos estragaram tudo. – H

coffee notes || h.s [au]Where stories live. Discover now