Capítulo 2

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Boa leitura meus amores!

Enjoy...

Kenya.

— Senhoras e senhores manauaras, agradecemos a presença de todos e sentimo-nos honrados em lhes proporcionar o show Matryoshka!!!

O anúncio, junto com palmas e acordes da música, põe todos os artistas a postos. Durante os ensaios para esse espetáculo, levei meu corpo ao limite da exaustão. Foram meses me preparando para representar a magia da boneca russa, que é um dos brinquedos tradicionais da Rússia, numa espécie de resgate das minhas origens, expressando a vida através da arte.

Matryoshka é uma série de bonecas, colocadas umas dentro das outras, da maior até a menor, esta sendo a única que não é oca. Os conjuntos de bonecas aninhadas geralmente incluem de três até vinte ninhos ou bonecas, embora existam conjuntos que contenham até mil e oitocentas delas. Optei, no meu show, por usar apenas cinco.

Quando as lindas e simples peças cilíndricas chegaram, dias antes do ensaio, todos os artistas participantes surpreenderam-se com o tamanho delas.

— O que você fará com essas bonecas, Kenya? — perguntavam alguns.

— Vou sair de dentro da menor delas, após a coreografia inicial de vocês.

Eles não acreditavam que eu poderia caber dentro da maior, que dirá da menor boneca!

— Mas isso é impossível! — um deles teve a coragem de dizer, cético.

— Depois de anos de treino como contorcionista, tenho certeza de que qualquer um de vocês se espantaria se eu contasse o que já fiz... — digo, enigmática, sem dar maiores detalhes.

Lembro-me de, aos quatorze anos, ter viajado horas dentro de uma mala em que mal caberia um bebê de um ano! Mas muitos passaram a acreditar que isso poderia ser verdade apenas quando Zlata, a russa conhecida como uma das mulheres mais flexíveis do planeta, começou a mostrar suas façanhas, até chamar a atenção do pessoal do , que decidiu fazer um segmento sobre a moça, há alguns anos, num episódio de "Is It Possible?".

Obviamente, essa loucura, como tantas outras em que me vi envolvida, não aconteceu porque eu a admirava e queria chegar ao nível de perfeição dela, mas por causa do meu pai, que estava falido quando resolveu que viríamos morar em Manaus. Depois de pegarmos carona de estado a estado para chegar aqui, não conseguimos nenhuma no último trecho da viagem e tivemos que optar pelo ônibus. Como o dinheiro que ele tinha dava apenas para nos alimentar por poucos dias, resolveu comprar só uma passagem e me enfiar numa mala para não pagar outra.

Bem, mas isso não é hora para ficar me lembrando das cruéis imposições de meu pai que, desde o incêndio em que perdeu tudo quando eu estava com dez anos, ficou obcecado por me treinar para ser uma grande contorcionista.

Já é suficiente saber que passamos mais da metade da minha vida vivendo como itinerantes no velho trailer que restou de nossa antiga vida, sobrevivendo das minhas apresentações em praças públicas, sem eu nunca ter tido uma rotina minimamente normal. Até para continuar meus estudos, tive que contar com minha própria iniciativa, usando cartilhas velhas que senhoras caridosas das cidades por quais passávamos me davam, após me ensinarem o que podiam no pouco tempo em que ali ficávamos.

Nunca entendi muito bem porque meu pai largou tudo para trás e, já há dez anos, vivermos assim! Sendo ele um homem taciturno e de poucas palavras, na maioria sempre ríspidas e ásperas, nunca tive coragem de lhe perguntar nada.

— Atenção, espetáculo começando em dez, nove, oito... — vou ouvindo a contagem regressiva pelo meu ponto e foco no espetáculo prestes a começar.

A Fênix de FabergéOnde as histórias ganham vida. Descobre agora