Capítulo V - Quando sonho e dia se unem

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— A filha pródiga retorna. — Disse Augusto, me recebendo com um abraço.

No dia seguinte à minha decisão, Andreia me levou ao local onde a porta estava sendo construída, a casa dos avós paternos de Davi. A casa estava vazia há anos, por conta de um processo na justiça, alguma briga entre irmãos depois que os pais morreram. Davi conseguiu uma cópia da chave, que estava guardada nas coisas de seu pai, e ele e Augusto aproveitaram a garagem da casa para desenvolver o projeto.

Eles estavam na terceira tentativa, depois de um mês de trabalho e muita madeira desperdiçada, que já estava em um estágio avançado. A primeira não deu certo por conta do encaixe das tábuas que deveriam formar a porta. Os garotos tentaram cortar a madeira com uma serra de mão e ficou tudo torto. Na segunda tentativa conseguiram uma porta sólida, com uma pequena ajuda de um amigo de Andreia, que trabalhava em uma loja de artigos para construção. O amigo apenas ensinou Davi a operar a máquina que cortava madeira. Eles levaram a matéria prima e fizeram todo o trabalho. A porta estava pronta, porém arruinaram o projeto enquanto esculpiam os detalhes. Augusto errou na proporção. Os detalhes da seção superior ficaram grandes demais e o estrago já estava feito. Como eu disse, eles não eram bons com trabalhos manuais.

Antes de concordar 100% em participar, sentei com Augusto e o livro do corvo e li cada linha daquele ritual, procurando por alguma palavra ou sentença estranha ou dúbia, mas aquele ritual era bem claro. Precisávamos construir uma porta e nada além aconteceria. Enquanto os garotos finalizavam a base da nova porta, dei a ideia de copiar os detalhes diretamente do livro do corvo com papel vegetal e em seguida transportá-los para um papel mais grosso, assim, quando a porta estivesse pronta, poderíamos riscar os detalhes com lápis na madeira usando um molde. Isso era meio óbvio para mim, e eles acharam a ideia genial.

A porta ficou pronta em uma semana. A parte mais difícil foi esculpir as pequenas inscrições ao redor das bordas. Usei uma chave de fenda pequena e um martelo de borracha para conseguir a precisão necessária. Por fim, compramos um pouco de cimento e marcamos nossas mãos no centro da porta, depois passamos uma seladora na madeira, apesar de não fazer parte das instruções e deixamos secando durante o final de semana. Quando nos reunimos na segunda-feira para ver o resultado, tanto a porta quanto o livro haviam desaparecido da garagem.

Não tinha como ter certeza, mas não havia sinais indicando que o portão da garagem fora aberto, nem da presença de outras pessoas na casa. Era uma suposição, pois as marcas de pegadas na poeira eram somente dos nossos tênis e para passar a porta pelo portão da garagem seria necessário arrastar algumas caixas que bloqueavam a passagem, e novamente, pela poeira no chão, podíamos ver que as caixas estavam na mesma posição há anos.

Ficamos os quatro em silêncio, cada um com seus pensamentos. Pela expressão de Augusto eu sabia que ele estava procurando por algum erro que cometemos, mas não fazia sentido, pois se houvesse algum erro, o ritual teria sido interrompido na primeira ou na segunda tentativa de construir a porta. Davi continuou procurando por sinais de invasão, vasculhando a casa toda e Andreia sentou-se num canto, assustada. Ela disse que assim que entrou na casa, sentiu uma presença estranha. Eu não senti nada e também não consegui pensar em nada. Não havia lógica, logo, não tinha motivo para pensar. Talvez o inominável tivesse nos usado e pronto, aquele era o fim. Criamos uma porta para alguma entidade maligna e não nos beneficiaríamos com isso. Sim, eu estava pensando desta forma. Eu queria algo em troca, algo em troca pelo acidente de minha mãe. Queria que algo, obviamente não fatal, acontecesse com Paulo, e com o homem que bateu no carro de minha mãe que, a propósito, saiu apenas com alguns machucados superficiais. Também pensei no diretor Garófalo, e a sua falta de liderança, de justiça. Eu não me sentia mais segura na escola. A qualquer momento outro idiota poderia reviver minha experiência traumática, ou a lista de apelidos infames e usá-los contra mim.

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