Capítulo VI - Todos querem governar o mundo

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Depois da passagem pelo reino onde os sonhos estão mortos, fiquei algum tempo deitada em minha cama, olhando para o teto do quarto e esperando o sol nascer. Estava exausta, mas sem sono. Perto das seis da manhã notei uma notificação em meu celular. Era uma mensagem de Davi no grupo. Não vou reproduzi-la, pois boa parte do conteúdo eram palavrões direcionados a Augusto.

Davi descrevia seu sonho como um cenário de guerra, diferente do que vivenciei. Disse que teve de cavalgar em um cavalo feito de fogo e atravessar um mar de pessoas, e quando o cavalo foi atingido por uma lança gigantesca de madeira, precisou andar por pessoas sem rosto e lutar para chegar até a árvore dourada. Não ouso repetir os detalhes violentos que ele fez questão de contar para demonstrar o quão nervoso estava com a mentira e omissão de Augusto. Eu o apoiei em exigir de Augusto total clareza daquele momento em diante. Se seguiríamos em frente juntos, deveria haver confiança plena entre nós, sem segredos, sem mentiras. Augusto se resumiu em pedir desculpas e que não disse nada porque teve medo que não teríamos coragem de enfrentar o que ele enfrentou. Como já mencionei, Augusto nunca contou seu sonho.

Ficamos conversando até o horário de me aprontar para a aula. Até aquele momento Andreia não tinha enviado nada, mas se nós conseguimos, ela também conseguiria. Meu pai ficou surpreso em me ver de pé antes dele. Tomamos café juntos e saímos como num dia normal.

No caminho ouvimos um dos CDs favoritos de meu pai, Songs from a Big Chair da banda Tears For Fears e a música que eu vou citar provavelmente você já ouviu na rádio, no trailer de um filme ou na televisão: Everybody Wants To Rule The World. Você talvez não a conheça pelo nome, mas eu aposto que se você procurá-la e ouvi-la, a chance de se lembrar dela é alta. É uma música animada, daquele tipo que cantávamos em viagens ou eu me arriscava no chuveiro, mas possui uma letra tão obscura quanto o meu relato, se você prestar atenção nas palavras e interpretá-las como interpretei mais tarde naquele dia. Ela ficou na minha cabeça, como uma trilha sonora para o meu mundo desmoronando, por isso quero que você tenha ela em mente enquanto continuo. Se você preferir, pare a leitura, ouça a música, leia a letra ou a tradução dela, e volte a ler meu relato depois.

Davi e Augusto estavam na entrada da escola. Da janela do carro, notei que discutiam, e quando me aproximei, eles diminuíram o tom de voz antes de me incluir na conversa.

— Deu ruim... Deu ruim, Tha... A Andreia... — A voz de Davi tremia. Ele segurava o choro. — A Andreia não acordou.

— Não sabemos se realmente "deu ruim". — Intercedeu Augusto. — Fique tranquila, Thalita. Eu liguei para a casa dela faz uma meia hora, ia pedir para ela trazer o livro. Como vocês levaram mais ou menos o mesmo tempo que eu para acordar, achei que ela também já tinha acordado, mas estava brava e não quis falar nada no grupo. Quem atendeu foi o pai dela. Disse que tentou acordá-la várias vezes e já estava levando ela para o hospital. Ou seja, ela está viva e ainda não achou a porta. Quando ela conseguir, vai acordar e continuamos com o ritual.

— E se ela não conseguir? — Questionou Davi. — E se ela nunca mais voltar, ou sei lá, morrer no sonho?

— Esquece isso! Vamos confiar nela e esperar. Não adianta ficar pensando besteira agora.

— Mas Gu, e se? O que vai acontecer com ela, ou conosco?

— Davi, é uma questão de lógica. Se a única forma de voltar do reino onde os sonhos estão mortos é através da porta, se ela não chegar até a porta, jamais voltará. Se ela morrer eu já não sei, mas creio que o inominável será justo com aqueles que sobreviveram.

Tanto eu quanto Davi ficamos mudos com a colocação fria de Augusto.

— Eu não devia ter deixado ela ficar com o livro. Agora vou precisar de uma desculpa para pegá-lo, caso aconteça alguma coisa.

O InominávelOnde as histórias ganham vida. Descobre agora