09. Woman

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2006.

H.

Vejo as minhas raízes aprofundarem-se à minha mente. Imagino-as compridas e amargas. Meus olhos estão fechados. Assim, enxergo-me melhor. Elas estão na minha imaginação, mas não são de mentira. São reais, feitas de verdades rígidas, assim como minhas cicatrizes. Só não são tão dolorosas e insistentes. Cicatrizes são pesadas e nunca se movem. Minhas raízes, porém, são nômades: estão sempre viajando em meu interior.

Seu trajeto é cada vez mais fundo. Idealizo-as focadas em perfurar-me e tornarem-me sólido. Acredito que apenas as viajantes que moram em meu ser podem transformar-me num homem só. Cicatrizes, pois, moram num lugar instável. Raízes, porém, tornam-me um lugar seguro. Sou, no entanto, raiz e cicatriz. Cada vez mais distante de ser apenas um alguém.

Há uma repulsa em minha personalidade: odeio meio termos. Mais ainda, odeio ser um.

Dou uma olhada maior para dentro de mim. Percebo uma anarquia muda. Meus móveis estão quebrados. Eu, como lar, estou desmoronando lentamente. Sou carne, osso e caos. São confusões tão minhas, mesmo que eu sempre tente arrastar outro alguém para dentro delas. Encontro-me mais dividido do que de costume. Tenho uma fatia do meu peito uivando de saudade, assim como possuo a outra sangrando de amor. O nome de Teresa está rubricado em ambas. Mantenho-me arrumando-me; tento organizar-me para ela; empenho-me em manter partes de mim de pé. Todavia, quanto mais vasculho minha consciência, mais percebo que tudo desmorona aos poucos.

Reconheço uma náusea caseira alastrando-se em meu ventre de maneira ligeira. É leve, quente e gostosa, feito pousar em casa após de voar por semanas. Eu, entretanto, não desfruto da liberdade de alguém que voa. Sou cativo das minhas metades. Sinto-me sangrando de sede de liberdade.

Meus pés firmam no chão e o enjoo dissipa-se abaixo deles, escorrendo de mim. Ganho ciência de que o elevador está parado novamente. Noto suas portas abertas; o vão entre elas sopra uma brisa ardente sobre mim. Sob meu olhar pesado, o fim do corredor está clamando por minhas presença. Paro de enxergar-me por dentro; ponho a bagunça num canto miúdo da mente e dou-me um novo foco. Semeio passadas firmes e colho nervosismo suave.

A cada passo em direção à última porta do corredor estreito, mais um pedaço meu desmorona em meu interior. Temo estar vazio ao chegar ao meu destino. Imagino a intensidade de Teresa gritando contra meu peito e ele lhe oferecendo apenas eco. Sinto, de maneira adiantada e precipitada, seu amor entrando em mim e encontrando-me deserto. Eu, como seu lar, quero estar confortável e habitável; quero estar inteiro e transbordando para sua presença. Temo não ser morada o suficiente.

Concluo o trajeto.

À frente da porta, suspiro durante uma fatia inteira de tempo. Vasculho a bagagem miúda que trago comigo. Procuro, de maneira enlouquecida e indomável, algum resquício de coragem. Receio ter usado toda que possuía durante a minha recente partida. Ao meio do meu caos, de toda a bagunça que sou, percebo que restara uma dose pequena. É quase insuficiente para meus próximos atos. Tomo-a num gole desesperado. A valentia escorre em mim; a bravura

corrói-me feito veneno: alucino momentaneamente. O desejo intenso de que esta alucinação seja eterna pinica-me a nuca. Em inteiro, estou um pouco para fora de mim. A coragem repentina expulsa-me da minha anarquia. Sinto-me embriagado de ousadia.

Semeio uma porção de batidas secas na madeira pálida. Os ecos avançam pelo corredor magro e longo, projetando-se menos intensamente à medida que aproximam-se do fim dele. Ruídos incompreensíveis são criados ao interior do apartamento. De repente, um estalo firme e alto é oferecido a mim. A porta, portanto, aconchega-se para trás e desliza sozinha para dentro do cômodo que protege.

Ficstape - Harry StylesWhere stories live. Discover now