Fevereiro VI

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– Eu ainda não sei, mas se me encherem muito o saco, chuto o balde sem dó...

Era segunda-feira, quase três horas da tarde. Estávamos sentados na quadra descoberta do colégio. Todos os quase quarenta alunos do terceiro ano, das duas turmas. Renan e eu tínhamos escolhido o alto da arquibancada para conversar enquanto o professor novo de Educação Física não chegava. Nossas aulas tinham mudado para as segundas e quartas, diferente dos anos anteriores em que havíamos feito a matéria nas terças e quintas.

O pessoal estava morno, naquela preguiça de começo de semana.

– Se você sair, eu também saio. – comentei. Renan me encarou.

– Você não precisa sair.

– Eu já tinha dito que não ficaria. Não faz sentido eu ficar; quem tem mais motivo para sair é justamente eu.

Ele ponderou um pouco, mas ficou calado por um tempo.

– Carlos não vai deixar passar barato.

– Não estou contando com isso. – soltei um riso irônico.

Renan e eu fazíamos parte da escalação oficial do colégio desde que o time de futebol fora formado, quando ainda estávamos no ensino fundamental. Ele, um ótimo e empenhado atacante. Eu, um meio campo conveniente. O futebol me trouxe muitas coisas boas: condicionamento físico, um pouco de disciplina, uma popularidade que eu não esperava e que ainda não sabia lidar muito bem. Também me trouxe a oportunidade de conhecer as pessoas mais de perto, de trazer para junto de mim as que eu queria que ficassem, como o próprio Renan e o Sander, que a princípio só se aproximou de nós por causa do esporte.

Mas o futebol também me rendia constantes dores de cabeça: meu primo, sendo o capitão, levava pra casa todo o tipo de desaforo possível, e eu era sempre o que estava mais perto para escutar. Ultimamente ele não se reprimia em contar para os meus pais o quanto "futebol era coisa de homem" e eu estava "deixando a desejar" nesse quesito, colocando coisas nas entrelinhas que, ainda bem, os meus progenitores tinham dificuldades em entender.

Meu pai e o Carlos sempre se deram bem por causa do futebol. Quando entrei para o time, eles deram uma festa lá em casa. Sério: houve bolo, churrasco e gritaria no fim da noite. Meus parentes tinham ficado contente com a possibilidade de um de nós dois se tornar, sei lá, um profissional da bola no futuro. E acho que meu pai pensou que se eu tivesse esse vínculo com ele também, nos daríamos melhor.

Isso não aconteceu, é claro, porque eu não consigo ficar na frente da TV xingando a mãe dos outros, ou fazendo piadas com a sexualidade incógnita de alguém. Isso pra mim não é diversão. Pro Carlos, sempre foi, sempre será.

Pro meu pai também.

– Pessoal, desçam aqui! – a inspetora Luzia chamou nossa atenção e esperou que todo mundo estivesse à sua volta na quadra. Ela estava acompanhada de um homem alto e musculoso, pele estranhamente bronzeada e reluzente. – Quero apresentar o novo professor de Educação Física de vocês. Esse é o Fernando, ele é personal trainer numa academia muito famosa, que tenho certeza que vocês conhecem, e disponibilizou um tempinho na agenda lotada para dar aula pra vocês...

Ela continuou enumerando algumas qualidades do cara, dando a entender que deveríamos estar muito gratos pela presença dele ali, mas não acho que tenhamos comprado a ideia muito rápido.

Quando a inspetora nos deixou sozinhos, o Carlos foi logo falando do time, que precisávamos treinar, que aquele era o último ano e que queríamos participar de campeonatos e blablablá.... E ele o ignorou.

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora