Agosto III

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A psicóloga do colégio havia me alertado que nossas sessões continuariam todas as quartas-feiras. Mesmo assim, permaneço com o Renan nos fundos do colégio durante todo o tempo do almoço, sem me preocupar com a justificativa que darei depois.

Nós nos sentamos no chão gelado, encostados na pilastra, as mãos brincando umas com as outras de vez em quando. Seus dedos se enrolam no meu bracelete, remexendo o pingente de bandeira dos Estados Unidos que fica ali pendurado.

— Saí com Otávio no sábado. Um almoço. — eu conto. Ele fica em silêncio, sei que se lembra quem o Otávio é. — Carlos nos viu juntos.

Renan se vira imediatamente pra mim, as sobrancelhas erguidas, surpreso. Balanço a cabeça, sentindo meu estômago pesado.

— Não estávamos fazendo nada... Na verdade, eu estava me despedindo, porque ia para casa te encontrar... — respiro fundo. — Mas é claro que o Carlos não interpretou dessa maneira...

— O que aconteceu? — Renan pergunta, se virando ainda mais na minha direção, interessado, mas sem soar invasivo.

Eu conto tudo o que me lembro. Pensei que seria mais fácil, pois realmente me sinto mais acostumado a me abrir com ele, mas tenho que parar de falar durante vários minutos, com medo de começar a chorar sem querer. Não ensaiei as palavras, nem adiantei a situação na minha cabeça, então elas saem em torrentes às vezes desconexas, e eu torço para que ele entenda sem que eu tenha de repeti-las.

Renan me escuta com atenção, paciente, insistindo para que eu não me sinta na obrigação de contar caso não queira... Mas eu quero me livrar daquilo. Sei que é um pensamento egoísta, mas sinto que não consigo carregar aquele fardo sozinho. Preciso dividir com alguém, e é ele ou ninguém — nem penso no Sander no momento, porque a distância física nessa situação específica me parece ser um empecilho intransponível.

Levo o resto do horário de almoço quase que inteiro para concluir o relato. Renan se enfurece junto, xinga, faz promessas vazias de revidar o que meu primo fez comigo, mas sinceramente estou aliviado só por ter conseguido colocar pra fora. E por saber o que eu já imaginava: que ele não hesita um segundo em ficar do meu lado.

— Você não acha que ele vai contar pro resto da sua família, vai? — Renan questiona, sabendo do meu medo. — Eu não acho. Quero dizer, ele não ganha nada com isso! Você não tem que se sentir pressionado a falar alguma coisa só porque ele-

— Eu queria contar. — eu o interrompo, causando certa surpresa. Suspiro. — Eu realmente queria contar pra todo mundo. Esse é o problema... Eu já tinha pensado bastante sobre isso. — nós nos encaramos.

— Você sabe que não precisa dizer pra ninguém que você... Bem, você sabe, né? Digo, eu nunca te pediria isso; não acho justo forçar uma coisa que só diz respeito a você, ao que você sente, sei lá... — ele se atrapalha um pouco, mas eu entendo o que está tentando me dizer.

Não espero que termine a frase, porém.

— Eu sei, mas não leve a mal, Renan, não é por você, é por mim. Não quero viver assim a vida inteira, me escondendo dos meus próprios pais... — Eu quero ser livre, penso, me lembrando das palavras do Sander, alguns e-mails e meses atrás. Me lembro repentinamente também do coma do Joel, da fragilidade da vida, e o pensamento de que a minha nunca seria completa até... Até ser eu mesmo. Só que o pensamento em si me enche de angústia e tenho que conter o nó na garganta de novo, desabafando: — Só que eu não tô pronto.

Se teve algo que o Carlos me ensinou no fim de semana passado foi isso: eu não estou preparado para assumir publicamente que sou gay, não para a minha família. O pânico que senti só com a simples ideia de que meu primo pudesse contar aos meus pais — ao meu pai — me comprovou isso. Minhas noites em claro pensando em como seria minha vida caso eles descobrissem...

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora