Março I

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Depois que as festividades do começo do ano cessaram, Março chegou trazendo um clima tenso e cinzento. Não só literalmente – o céu estava constantemente nublado, apesar de continuar quente como num deserto –, como figurativamente também. A escola parecia imersa numa nuvem crítica de baixa estima.

– Vamos fazer uma feira de profissões para vocês, nos moldes da que fizemos no ano passado. – a inspetora visitou nossa sala de aula no começo do mês, dando o anúncio.

O que era pra ser algo legal, acabou piorando a situação. Acho que, com o passar do Carnaval, todo mundo meio que caiu na real: aquele era nosso último ano. Nós tínhamos que pensar em escolher uma profissão, em fazer inscrições para vestibulares, em marcar o gabarito dos simulados corretamente...

– A feira vai ajudar vocês a fazerem a escolha correta, sem sombra de dúvida! Pensem em como seu colega, o João Vítor, descobriu a grande oportunidade que foi... aliás, que está sendo o intercâmbio dele! – a inspetora e o professor de história concordaram com acenos vigorosos de cabeça.

O pessoal começou a cochichar e o resto da aula praticamente foi tomado pelos comentários paralelos. No meio do burburinho, meu primo se virou pra trás para comentar com alguém que o JV tinha tirado a sorte grande por lá, arrumado uma namorada "que valia a pena de tão gostosa que era" e que talvez devêssemos todo mundo pensar em sair do país também...

A ideia ficou me rondando um pouco, confesso. Desde minha aproximação com o Sander, no ano anterior, eu imaginava como era viver em outro lugar, longe de tudo e de todos. Uma oportunidade de começar do zero. Não precisava nem ser em outro país, podia ser numa cidadezinha qualquer mesmo, sabe?

Eu ainda não tinha muita noção do que queria fazer pro resto da minha vida, mas comecei a considerar ampliar meu leque de opções. Eu não precisava ficar atado à capital, não é? Talvez meu melhor futuro estivesse longe dali, mesmo.

***

Como se eu o tivesse invocado ou coisa assim, na quinta-feira da primeira semana recebi uma mensagem curtinha do Sander no Facebook. Ele tinha desinstalado os aplicativos de mensagem instantânea do celular, mas se havia alguma coisa urgente ele podia mandar pelo Messenger. Achei estranho, principalmente porque visualizei na parte da manhã, em sala de aula. Para ele devia ser madrugada ainda, ou pelo menos muito cedo, tipo umas cinco ou seis horas da manhã.

Sander Wolliner: Podemos marcar um Skype? Amanhã no máximo?

(quinta-feira, 09:02 am).

Notei também que havia mandado a mesma mensagem para dois destinatários em conjunto: eu e o Renan. Ele queria falar com os dois. Juntos.

– Você viu a mensagem? – foi a primeira coisa que o Renan me perguntou quando o intervalo do almoço chegou.

– Sim, mas ainda não respondi. Não tive muito tempo...

– Ele mandou pra nós dois. Mas foi só isso? – Renan tirou o celular do bolso da calça do uniforme e virou a tela pra mim. – Só "vamos marcar um Skype"?!

Fiz que sim, dizendo que em particular ele não havia me contado nada...

Foi então que senti aquela fisgada na minha memória: talvez o motivo da conversa tivesse a ver com o assunto do e-mail anterior que havíamos trocado. Ele ainda não me respondera, mas se queria falar com nós dois juntos, talvez...

– Vocês têm se falado? – questionei.

Estávamos saindo pelo portão principal da escola. Eu tinha dinheiro, então íamos almoçar no restaurante na rua de cima, longe dos outros que o pessoal costumavam frequentar.

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Where stories live. Discover now