Junho V

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A segunda metade de Junho tem um clima diferente da primeira metade do ano inteiro. Sinto que um peso foi tirado das minhas costas quando caminho escola adentro e, mesmo sozinho, não tenho vergonha ou receio de levantar o rosto e subir as escadas.

Desde a famigerada Sexta-feira D, pessoas passaram a me ignorar — algumas abertamente, outras seguindo o bonde.

— Não anda perto de mim. Não quero ser visto com o viadinho da família.

Esse foi o aviso que meu primo me deu, certo dia, quando descemos do carro do seu pai. Foi a última vez que peguei carona com eles, porque passei a pedir meu próprio pai para me deixar na metade do caminho e, assim, economizar no ônibus. Mesmo tendo que acordar mais cedo, mesmo tendo que escutar reclamações por parte dele às seis da manhã todos os dias, ainda valia mais a pena sua companhia do que a do Carlos.

A que ponto chegamos, né?

Este levou suas palavras a sério. Apesar de não ter mudado de lugar na classe, continuando a se sentar do meu lado direito, Carlos deu um jeito de afastar a fila de carteiras inteira pelo menos mais um metro longe da minha. E ele levou as pessoas junto, é claro, porque ele é o "macho alfa".

As meninas, Natália e Isadora, foram se afastando. Não foi um processo demorado: num dia elas me deram bom dia normalmente, no dia seguinte fingiram que não me viram entrar na sala de aula. Como não procurei contornar a situação, elas continuaram assim, dando assistência às piadas do meu primo. O afastamento do Caíque foi obviamente imediato, mas às vezes ele se esquecia que estava no bonde deles, e não no meu, e soltava algumas frases na minha direção... Mas logo parava e dizia coisas do tipo "ah, é, esqueci!" e me dava as costas.

Todos eles cumprimentavam o Renan, mas também não passavam disso — quando se juntava a mim nos intervalos, o Renan também sumia das vistas do resto. Ele me dizia que o Felipe falava com ele normalmente dentro da sala de aula, mas era só colocar os pés no corredor que também se lembrava que "não deveria fazer isso"... Ou algo assim.

— Não me incomoda. — Renan dava de ombros. — Aliás, não faço a mínima questão. Quanto menos gente falsa perto de mim, melhor.

É claro que isso me entristecia, apesar de não me mover muito para mudar a situação. E é claro que a outra metade da sala, a que não compactuava com meu primo, percebeu as mudanças.

Eu era a ovelha negra, isolada do rebanho de nascença.

A Mariana veio me perguntar se eu tinha brigado com meu primo. Eu disse que era mais ou menos isso, não queria entrar em detalhes, e ela bateu no meu ombro simplesmente dizendo:

— Faz bem mesmo.

Como ela se sentava atrás de mim, hora ou outra me cutucava, me perguntava alguma coisa, sei lá, me deixava menos sozinho, eu acho. Apreciei a intenção, quase agradeci, mas isso podia soar muito desesperado, então deixei pra lá. O fato é que eu não estava me sentindo sozinho de verdade. Por mais que houvesse um isolamento físico, eu me encontrava, pela primeira vez, onde eu queria estar. E esse lugar era exatamente o oposto de onde o Carlos estava, em todos os sentidos.

No sábado, no treino de futebol, eu fui porque o Renan não me deixou escapar. Disse que não podíamos dar o braço a torcer, que não deveríamos deixar meu primo ganhar no seu próprio território, então fomos.

Sabe como é, não precisamos de muita interação com palavras pra jogar futebol. Como estamos sem treinador nem nada, o Carlos sempre fez questão de incorporar esse papel. Só que ele nunca foi bom nisso, também. Os meninos mais novos esperavam, de certa forma, que ele desse as "ordens", mas eram os únicos. Não tínhamos necessidade das suas pseudo-orientações para sabermos o que fazer.

Aprendendo a Gostar de Você {Aprendendo III}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora