CAPÍTULO 08

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A primeira coisa que notei ao chegar no café foi que Vincent estava maravilhoso. Ele vestia um sobretudo xadrez marrom e preto que ia até a metade de suas coxas, com uma blusa branca lisa e calça chino preta. Seu cabelo estava um pouco bagunçado e hoje ele usava óculos de aros escuros e redondos que combinavam muito com seu rosto. Ele levantou a cabeça assim que me viu parada à porta e fez um aceno sutil para que eu fosse até ele. A segunda coisa que notei foi que, pela primeira vez desde que nos encontramos, ele parecia extremamente receptivo e gentil.

— Olá — eu respondi, um pouco nervosa. Não conseguia esquecer o fato que a última vez que ele ouviu minha voz eu estava chorosa, e nem o tanto de maquiagem que passei em meu rosto pra esconder a palidez e a expressão de morta o enganariam nesse sentido.

— Como você está? — foi sua pergunta, sua voz grave ressoando calma.

— Estou melhor, obrigada — sorri um pouco e ele fez sinal para o garçom, tendo aguardado até eu chegar para pedir algo. Depois que o garçom se afastou, um silêncio instalou-se entre nós e eu passei a observar o lugar.

Era uma cafeteria um pouco escura, cuja mobília tinha tons de marrom e creme, bastante adequados para o estabelecimento. Sua entrada era discreta, em uma região da cidade um pouco afastada e sem tantas lojas parecidas. Eu aposto que a maioria da população passava reto pela porta vermelha e sua pequena placa, mas era um ambiente bastante agradável, alcançado depois de escadas subterrâneas. Apesar de estar embaixo da terra, não era abafado. Eu imaginei que Vincent devia passar muito tempo aqui, talvez escrevendo ou buscando inspiração.

Nosso pedido chegou e isso parece que trouxe minha atenção de volta à situação. Olhei para Vincent e percebi que ele estivera (ou parecia ter estado) me observando todo aquele tempo. Com o rosto meio corado, tomei um gole de meu café com leite e pigarreei.

— Então...

— Você gostaria de falar sobre o que aconteceu? — ele falou apressadamente, focando em seu próprio café (puro, com um cubo de açúcar). Eu não sabia se ele estava perguntando por educação ou se realmente queria ouvir a versão daquela história.

— Você quer mesmo saber? Porque para eu explicar o que aconteceu, eu acho que vou ter que contextualizar com uma história um pouco antiga e chata — respondi, bebericando mais um pouco. Isso pareceu, por algum motivo, atiçar a curiosidade de Vincent, que levantou seus olhos escuros pra mim e me encarou.

— Eu tenho tempo — foi sua resposta, em seguida recostou-se em seu banco. Seus olhos não desviavam de mim e eu respirei fundo. Eu meio que devia isso a ele, apesar da história ser realmente chata.

— Bem. Não diga que eu não avisei — murmurei, me ajeitando na cadeira e olhando ao redor. Estava bem vazio, e um pouco escuro. Um ambiente bastante propício para invocar meus demônios.

Observei o rosto do meu ídolo, me preparando para remexer em águas profundas e um tanto apodrecidas.

— Eu estive em um relacionamento abusivo. No primeiro ano da faculdade. O nome dele... — apertei meus lábios, sentindo-os formigar só com a tentativa de pronunciar aquelas duas sílabas. — Era Aiden.

— Conte o que se sentir à vontade para contar, Lora. Não se force a nada — seu tom era suave e eu apertei um pouco as minhas mãos. Ali estava. Ali estava o Vincent com o qual sempre sonhei, com o olhar que tanto quis que estivesse voltado para mim. Só aquilo me deu forças para continuar. Concordei com a cabeça, mas agora parecia que tinha se tornado um pouco mais fácil.

— Aiden apareceu como mágica em minha vida. Eu tinha vindo do interior, era um tanto tímida, aquela história de sempre. E ai ele apareceu, como um salvador — soltei um riso pelo nariz. — O começo era incrível. Eu me sentia amada, me sentia especial. O relacionamento com ele me desinibiu em muitos aspectos, e logo tínhamos um grupo de amigos com quem bebíamos, saíamos, nos divertíamos. Foi muito incrível, por mais ou menos uns três meses — apertei meus lábios mais uma vez, vendo que a atenção de Vincent não rareara. — Eram coisas pequenas. Pequenas, que foram se acumulando até que não pude aguentar mais. Aquele começo do "eu nunca me senti assim com ninguém antes" te faz imediatamente pular num relacionamento que talvez você não esteja preparada, mas a ideia de ser especial, de ele depender de você, de você ser importante... ela é tão tentadora. E então ele se tornou possessivo. É claro que no começo isso também parecia ótimo. Ele me queria. Não queria a vadia da Rose, não queria a ridícula da Stella, não queria ninguém mais. Ele era ciumento, e me ligava constantemente para saber onde eu estava, com quem eu estava e o que eu estava fazendo. Eu amava o interesse dele, mesmo que me sufocasse. O ciúme dele era tanto, ele me queria tanto para si, que começou a me proibir de sair com outros amigos que eu tinha. Até mesmo com nossos amigos em comum, se ele não estivesse junto.

I - Quem Eu Quero EncontrarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora