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"Dançando em torno das mentiras que contamos"

| TEAM, Lorde |

Ellie

Eu pedalei com bastante afinco e permiti que o meu corpo emoldurasse a pequena bicicleta vintage. Embora velha e enferrujada, um pouco dura para virar o guidão, Florence — como havia apelidado carinhosamente — nunca me depcionava. Ela não era igual minha moto, a qual sempre chorava para se embebedar com gasolina e perdia forças em caminhos íngremes. Florence me acompanhava em qualquer impulso, tanto no literal, quanto no figurativo. Até mesmo ali, atravessando a ruazinha de pedras congeladas e avançando para dentro da mata, a bicicleta não reclamava.

Talvez umas duas folhas grandes tenham entrado na minha boca entreaberta. Eu devia ter escutado minha falecida mãe, porque, de fato, quem andava de boca aberta comia moscas. Mas eu já estava eufórica pelo caminho que percorria há uns generosos minutos. Eu não era muito atlética, apesar de andar de bicicleta de um lado para o outro, por isso minhas costas doíam com o esforço.

E havia o fato de ser final de novembro também. Eu gostava da paisagem branca, mas odiava muito o que ela trazia: frio, gripe, sopa, febre. Nada de sorvete, passeios no parque, praias. Talvez se tivesse alguém para me esquentar nas noites solitárias, as crises existenciais não bateriam com tanto vigor. Tudo bem que também nunca vi o mar para desejá-lo tanto, mas o clima tropical me enchia os olhos.

Só naquele final de mês, por exemplo, havia escorregado umas duas vezes na saída do meu apartamento. Sem contar que vizinhos malandros acertaram algumas bolas de neve na minha janela e eu passei o final de semana inteiro tentando limpar o vidro do lado exterior. Eu preferia viver para assistir a temperatura gélida e esbranquiçada de longe, nos cartões postais e nos filmes, mas fui condenada a presenciá-la de formas mais obscuras.

Derrapei devagar antes de bater com a cara na portinha de madeira. Devia ser algumas boas horas da noite, mas havia chegado no tempo certo. Coloquei a bicicleta escondida debaixo de uma árvore, porque não queria que a neve a engolisse. Empurrei a tranca para longe e, como alguém que abre a porteira da fazenda, animais pularam em cima de mim.

Alien e Tea, os dois cachorrinhos do meu melhor amigo, pularam no meu tronco e tentaram alcançar minha bolsinha. Se o vento não a levara, dois pequenos animais — embora ferozes — não teriam a maestria necessária. Eu afastei as criaturinhas destruidoras com um certo esforço. Ali mesmo na entrada já conseguia ouvir o som da música tocando. Achava que combinava muito bem com o final da sexta-feira.

— Eleonora! — Phill Wren, o dono da festa e também conhecido como meu melhor amigo desde os quatorze anos, gritou assim que me viu na varanda.

Eu pulei de encontro ao seu corpo. Ele me pegou no ar e rodopiou todo o meu peso pelo espaço. As pessoas presentes, todos os meus conhecidos, fingiram vomitar diante da nossa animação. Quando nos juntávamos as melhores cenas eram construídas. Naquele instante, por exemplo, já nos engraçávamos em uma valsa desconexa, sem um pingo de ritmo, cheia de firulas. Belo exemplo para dois musicistas formados.

— Phill — eu bati em seu ombro assim que pude me acalmar melhor.

Ele era bem mais alto, mas éramos magros na mesma medida. Seus cabelos lisos estavam bagunçados no topo da cabeça. Trajava uma jaqueta jeans sobre uma camisetinha aleatória por baixo e um kilt escocês escondendo as pernas finas. Pelo visto ele já havia bebido um pouquinho, considerando que seus olhos escuros estavam brilhosos e animadinhos. Mas o mesmo sorriso bondoso estava em alerta sobre o seu rosto jovial.

Souvenir | Romance Lésbico (Completo na Amazon)Where stories live. Discover now