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"Eu ainda não sei pelo que eu estava esperando"

| CHANGES, David Bowie |

Ellie

Acordei em um salto. Provavelmente não dormi a noite inteira de tão ansiosa que estava para a véspera de Natal. Achava engraçado, porque nunca me importei muito para as celebrações de final de ano serem relevantes. No entanto, via-me deslumbrada com as novidades que o resto do dia reservava para mim.

Eu precisava de vestido incrível e elegante, afinal a família anfitriã era podre de chique. Eu nunca vi uma linha torta nas roupas da Srta. Ewing, mas só passei lá cinco vezes. Contudo, eu não queria surgir com uma roupa estranha. A maquiagem devia ser suave, porém eu pintaria meus lábios de vermelho vivo e torceria para não dar uma reação alérgica depois. Ela só precisava focalizar minha boca. Além disso, eu havia dormido com uma touca, justamente para não amassar meus cabelos da escova que fiz ontem à noite de última hora.

Ainda era cedo, mas eu demoraria para terminar os ajustes finais. Depois de um banho rápido, tomei um capuccino e mordi dois pedaços de bolo, porque não estava com muita fome. Eu só não queria desmaiar no meio do caminho. Arrumei o espelho no meu quarto, juntamente dos aparatos para me deixar bela e irresistível — pelo menos minha autoestima estava perfeita para a ocasião.

Claro que não queria me frustar, mas era tão inevitável não colocar todas as minhas fichas naquela noite. Eu quase não fazia algo diferente e queria experimentar o que aquilo me proporcionaria. Quando eu pensava em Srta. Ewing, sozinha com dois filhos em uma mansão daquelas, apenas imaginava o quão solitária ela poderia ser. Ela gostava de dizer coisas para me deixar impactada como se minha reação fosse importante; ela não tinha medo de consequências, no aguardo da próxima vez que algo com intensidade aconteceria.

Eu não podia me privar de conhecê-la um pouco mais. Eu queria entender o porquê seu pai — o qual já não fui com a cara por desmerecer a minha futura profissão — não gostava de Psicologia. Ademais, pouco me importava se estava morto, porque um cadáver não se tornava santo só de ir para outra dimensão. Eu queria saber as causas de sua morte, se havia deixado outros filhos, se havia sido um bom pai. A curiosidade era a mesma acerca do avô falecido com câncer de pulmão: ele morrera com qual idade?

Meu celular tocou, mas não me tirou da agitação interna. Eu o puxei do carregador e o coloquei no viva voz. Seja quem fosse, eu estava animada demais e bateria um papinho enquanto penteava meu cabelo.

— Eleonora Baudelaire! — Phill gritou. Se tivéssemos uma caixa de som ali, ele teria ouvido a própria voz ecoar umas dez vezes. — Como você está? Solitária? Sofrendo? Chorando?

— Você deveria ter mais consideração antes de perguntar algo assim, Phill. Você sabe que não tenho nenhum familiar e dizer algo desse nível, especialmente no Natal, pode estragar meu dia inteiro — comentei, elevando minha voz para que ficasse séria e magoada.

Eu só queria assustá-lo. Havia aprendido a tática com a Srta. Ewing, e, por mais que não soubesse a gravidade de brincadeiras assim, não deixaria de fazer tão cedo. Eu queria ver a cara de espantado do meu amigo me pedindo perdão, mas teria de me contentar apenas com o seu tom de voz.

— Ah, Ellie, me desculpa. Eu...

— Ok, vou te perdoar — cortei-o antes do dramalhão. Ele soltou uma risadinha sem graça assim que percebeu minha deixa. — O que você quer?

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