Três estrangeiros

9 0 0
                                    


Pai Antônio chegou ao terreiro apressado como sempre. Vinte anos de casa não lhe aprumaram com os horários. Sabia bem como funcionava: precisava andar rápido e passar reto, olhar sempre adiante. Do contrário, cada um com que o babalorixá cruzasse roubaria alguns minutos. Desse jeito como fazia, os íntimos acenavam:

— Salve, Tom!

Enquanto que os outros faziam reverência com o olhar:

— Bênção, pai!

Atravessado o terreiro, subiu as escadas e trocou de roupa. Antes de vestir as guias, foi até a janela, segurando-as nas pontas dos dedos. No relógio, 19h47. Três minutos lhe bastavam. Era pleno verão, e a essa hora o sol se punha do lado oposto da casa. Cravou os olhos na paisagem laranja que refletia o poente: a igreja matriz se enquadrava sempre no centro da janela, com o bairro nobre da cidade à sua esquerda, coroado ao fundo pelo cemitério. À direita, o comércio, e a parte pobre da cidade. Uma linha divisória traçada pela igreja. Dali, Tom não podia ver, mas sabia do Cristo na cruz no alto da torre. De todo modo, o sol ainda refletia à sua esquerda e à sua direita. À distância, com um toque de imaginação fazia a imagem do sol refletindo na cruz e, lembrando sempre o incômodo por lhe pedirem a bênção como se fosse um tipo de mestre, abaixou a cabeça em voz baixa:

— A sua bênção, meu pai. — e unindo as mãos — Epa Babá Oxalá!

No relógio, 19h50. Pontualmente, os médiuns da casa entravam no vestiário. Hoje, não teria nada a dizer. Hoje, a mensagem era o silêncio. Todos prontos, de guias no pescoço, ajoelharam em roda. Nove minutos de silêncio. No relógio, 19h59. Começou baixinho a Prece de Cáritas, logo acompanhado pela corrente: "Deus nosso pai, vós que sois todo poder e bondade..."

Às 20h pontualmente, os ogãs descem e o Congo de Ouro ressoa. Com o babalorixá na frente, a corrente desce em fila e forma a roda. Em frente ao altar, Pai Antônio deita-se, bate cabeça. Levantando, faz sinal que os atabaques silenciem. Olha bem para aqueles que vinham assistir, como era de costume. Gostava de conhecer a sua assistência. Observava as cores de cada um, seus guias e seus obsessores. Os mais graves, barrados na porta. Uma meia dúzia deles encarava diretamente três rapazes sentados, de roupas escuras. Era estranho que os jovens se sentassem. Seus olhos fundos, suas caras estrangeiras amarradas. Estrangeiras, muito estrangeiras. Algo de fora parecia tomar corpo neles, pelo medo ou pela força. Já havia silêncio por algum tempo, os olhos da corrente e da assistência invadiam Tom e demandavam que algo acontecesse. Olhou para a tronqueira à esquerda da porta, a vela, ainda quase inteira, queimava numa chama enorme.

— Hoje, começamos por Ogum. "Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge..."

Sua voz ecoava como se falasse o próprio Xoroquê responsável pela guarda do terreiro. Terminada a oração, levantou as mãos para os ogãs, virou-se para o altar, e a gira de fato começou: "Eu vou abrir minha Jurema, eu vou abrir meu Juremá..." e a gira seguiu como sempre. Os pretos-velhos, com seu amor, receberam os consulentes. Defumações, bate-folhas, conselhos e ensinamentos. O terreiro não era grande, e além do mais, a gira de terça-feira era mais vazia que a de sábado. Logo todos já tinham passado pelos guias... a não ser por aqueles três rapazes. Todos os médiuns ainda incorporados, o conga vazio, ocupado só pela corrente. O pai de santo se aproxima deles:

— Fiquem à vontade para entrar. Aqui são todos bem-vindos, trabalhamos no fundamento do amor.

Os três se entreolharam sem responder. Com os olhos fundos já de volta no pai, um deles levantou a mão e, sem dizer nada, fez um sinal de recusa com a cabeça.

— Como queiram, fiquem à vontade. — e, voltando-se para os ogãs, atravessou o congá a passos largos — "A sineta do céu bateu, Oxalá já disse, é hora..."

Contos de cantosWhere stories live. Discover now