Prólogo

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O grito do homem reverberou pelo pequeno cômodo da casa, seguido pelo intenso choque de sua mão fechada em um punho no meu rosto.

— Foda-se!

Fui lançada ao chão sem qualquer cerimônia ao mesmo tempo em que sentia o gosto metálico do sangue em minha boca. As lágrimas escorriam livres através dos olhos que queimavam, inchados e doloridos. Ele me deixaria com hematomas outra vez, e os antigos ainda nem haviam sido cicatrizados completamente...

O choro de um bebê me deu forças para me erguer do chão, embora não tão rápido quanto eu gostaria.

— Cale a boca! — Ele esbravejou ao investir sobre o pequeno corpinho encolhido no canto do quarto, de uma criança que há pouco tempo fizera um ano. — Eu mandei calar a boca!

— Fique longe dela! — O agarrei um segundo antes de ele tocá-la, mordendo seu ombro com tanta força, que provavelmente o único motivo de não ter arrancado um pedaço de carne no dente foi a camisa encardida e fedida a bebida alcoolica que ele estava usando.

Seu movimento brusco me jogou longe e a garrafa que ele segurava se chocou contra o chão, partindo-se em vários estilhaços de vidro e liberando o odor forte da bebida que se espalhou. Dessa vez, pelo menos, eu me mantive de pé.

— Você... você me mordeu? — Seus olhos se voltaram para mim, agora carregados de choque e descrença. Mas, em seguida, a raiva estava de volta. Dessa vez em proporções maiores.

Corri para fora do quarto, ciente de que ele me seguiria. Ciente do que viria em seguida.

— Você me mordeu, cadela?! Eu ainda não te mostrei o que é dor!

Sem pensar, entrei na cozinha num rompante e alcancei a faca que eu usava momentos atrás para cortar a carne para o jantar, apontando-a para ele como um instinto de sobrevivência, o que o fez parar num solavanco. As lágrimas embaçavam minha visão, o ar parecia composto por ácido, eu me sentia sufocar de forma contínua e gradativa. Estava encurralada entre ele e a pia. Ele poderia me imobilizar facilmente devido ao seu tamanho que era quase o dobro do meu, mas por algum motivo extremamente otimista, eu ainda preferia acreditar que ele não pegaria aquela faca para usar contra mim.

— O que é isso? — Sua testa se franziu. — Você quer me matar?

Solucei, e mais lágrimas escorreram.

Usando toda e qualquer coragem que eu ainda conseguia encontrar, me afastei da pia devagar e comecei a andar em torno dele, disposta a voltar para o quarto. Disposta a, mais uma vez, ser o escudo da garotinha que ainda estava encolhida no chão, chorando, apavorada com o homem que devia amá-la.

— Você teria essa coragem? — Ele voltou a perguntar com uma evidente calma forçada, seguindo meus movimentos com os olhos. — Teria coragem de matar a única pessoa que te ama nesse mundo?

— Não me obrigue a fazer isso — implorei entre lágrimas, dando passos curtos em direção ao quarto, de costas. — Por favor.

— Você mal consegue segurar essa faca. Está tremendo.

Merda, eu estava tremendo. Sendo bem honesta, eu não sabia como ainda estava conseguindo me manter de pé, mas naquele momento eu não via outra opção a não ser permanecer firme. De novo.

— Eu mato você sem pensar, se a machucar de novo.

— Então é isso. Você decidiu me trocar por ela.

Senti as mãozinhas envolverem minha perna quando cheguei perto o suficiente da garotinha para que ela pudesse me tocar. Ela agarrou minha panturrilha, e enquanto eu encarava o homem em minha frente, pude sentir as lágrimas dela molharem a barra da minha calça jeans. Eu não podia fazer nada mais além de chorar também, em silêncio.

O preço da Felicidade // DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now