Erik V

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22 de junho (2018)

O Abel chega de noite e vai para o seu quarto. Ele passa direto por mim na sala, como seu eu não estivesse lá. Talvez esteja chateado. Estamos sozinhos em casa. Eu tinha conseguido chegar no 15° chefe do novo Souls, mas depois que ele passou o clima ficou estranho. Por alguma razão comecei a me sentir preocupado. A voz dele começou a martelar na minha cabeça.

— Às vezes quando estamos machucados tentamos nos esconder. É um instinto primitivo de sobrevivência.

Pauso o jogo. Passo alguns minutos encarando o controle, até que a luz dele se apaga. Será que eu deveria ir vê se ele está bem? Quer dizer, não quero ser intrometido, mas e se algo estiver errado. Saio do sofá e subo as escadas. Paro de frente para a porta de seu quarto. Tudo está tão silencioso.

— Ei, você... tá bem? — Bato o mais leve que consigo na porta.

Ninguém responde. Espero alguns segundos. De repente meu coração começa ficar acelerado. Por que sinto que tem algo errado? Bato de novo com mais força e... nada. Começo sentir uma falta de ar, como se não tivesse oxigênio o bastante ao meu redor. Giro a maçaneta e entro.

O quarto estava escuro. Vou em direção ao interruptor, mas algo segura meu pulso. Forço a visão até que vejo o Abel escondido de baixo das cobertas. Não consigo dizer ao certo se ele estava chorando ou não, mas seu olhar parece triste.

— Por favor, não liga. Eu não estou em um bom momento. — A voz dele sai meio rouca. Ele estava chorando, tenho certeza.

— Certo. — Desisto de tentar ligar a luz. Sua mão solta meu pulso. — Você tá bem?

— Não, muito. — Ele se senta na beirada da cama ainda de baixo das cobertas.

— Quer... conversar? — Pergunto inseguro enquanto me sento ao seu lado. Não faço a menor ideia do que estou fazendo.

— Você não precisa fazer isso. É melhor voltar para a sala. Eu sei que isso é um incômodo, então não precisa mesmo fazer isso. — Sua voz sai um pouco falhada.

— Não, pode falar. Somos amigos, certo? É o mínimo que eu posso fazer. — Sorrio tentando ser simpático, mas esqueço que ele não consegue me ver.

— Eu meio que briguei com um garoto na escola.
— Achava que você não brigava. — Acabo sem querer soando sarcástico.

— Foi unilateral.

— O que isso quer dizer?

— Que só um de nós brigou, ou seja, eu apanhei.

— Por que ele te bateu? — Nunca me senti mais próximo de ser um pai como nessa conversa.

— Ele pensou que eu estava flertando com a namorada dele.

— Ele é cego? — Falo um pouco alto.

— Acredito que as pessoas ficam cegas quando estão apaixonadas.

Nós dois ficamos ali sentados conversando por quase uma hora, no escuro. Eu achava que seria algo difícil, mas foi ao contrário. Foi a conversa mais fácil que já tive na vida. Talvez não fosse tão ruim escutar o desabafo de um amigo. Ainda sim, algo né preocupava. O Abel continuava escondido nas cobertas.

— Foi feio? — Tento ao máximo olhar para ele, mas está tão escuro.

— Não sei, sai correndo de lá. Ainda não me olhei no espelho. — Ele respira fundo.

— Posso vê?

— Tudo bem. — Ele se levanta da cama e vai em direção ao banheiro. Eu sigo ele.

O Garoto De MaréOnde as histórias ganham vida. Descobre agora