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O problema da adrenalina é que, quando ela esfria e acaba, a dor escondida por trás dela queima toda de uma vez

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O problema da adrenalina é que, quando ela esfria e acaba, a dor escondida por trás dela queima toda de uma vez.

Kurt acordou sentindo que, se movesse mais do que os músculos da respiração, seu corpo acabaria rasgando, como uma ferida aberta sem casca. Então o único movimento foi o de seus olhos, que piscaram para o teto.

O mundo piscou também, falhando, e seu cérebro rebobinou imagens fragmentadas e borradas. O céu manchado pelo sinalizador. Rostos tingidos pelas luzes de emergência vermelhas. Cigarros e garrafas passando de uma boca a outra. A impressão de estar no banco de trás de um carro entre duas pessoas. Calor humano. Tossidos. Risadas. Sons baixos e macios em sua orelha em contraste com o seco raspar de pneus e o zumbido de motores. Um cheiro de fumaça e gasolina e, então, de perfume. Aroma de folha fresca. Menta e hortelã.

Estava lembrando, sonhando ou alucinando pelo efeito da concussão por ter apanhado?

Tudo se dissolveu quando ele percebeu que não estava dentro de um carro, e sim num colchão de molas apoiado no chão, em meio a lençóis amarrotados. Ele cheirou o pano, profundo e repetidamente, até que os sentidos se confundissem e o cheiro virasse um retro gosto no fundo da língua. Aquilo tinha o mesmo perfume de seus delírios. Não era tudo alucinação, então.

O cômodo todo não era bem o que se poderia chamar de quarto. Era mais como um grande escritório improvisado de dormitório. A porta fechada era feita de drywall, com um visor de vidro para permitir enxergar através dela, mas que alguém tinha bloqueado com plástico escuro e fita adesiva. Ali dentro, o espaço era limpo, porém vazio, com apenas uma escrivaninha arrastada até o canto de um quadro de avisos inutilizado, cabides vazios pendurados na grade de um ar condicionado antigo, e um arquivo de metal transformado em cômoda para guardar mais roupa de cama dobrada.

Sua própria mochila puída estava largada no rodapé ao lado do colchão, mas ele não se lembrava de tê-la tirado do carro e trazido. A hipótese era que alguém tinha feito isso por ele.

A lentidão em formar pensamentos coerentes fez Kurt demorar a perceber que não estava sozinho. A claridade forte do dia entrava por uma janela ampla e quadriculada com vista para o telhado do segundo andar da fábrica, indicando que ele estava no patamar mais alto dela. Debruçados no peitoril, com metade do corpo para fora da janela, haviam duas silhuetas marcadas pela luz, ombro com ombro, compartilhando um único cigarro aceso.

Colisão [2ª edição 2023]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora