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— O pessoal quer fazer uma chamada hoje, cê topa? — Bruno pergunta, no sábado à tarde, enquanto varre a cozinha.

— Claro! — respondo, e volto a lavar a louça.

Não é como se a gente tivesse outro lugar pra ir, penso, mas não digo nada. Parte de mim está mais do que cansada do isolamento. Não lembro mais a sensação de estar ao ar livre de verdade, de abraçar meus amigos, de ver a minha mãe. Tudo parece uma realidade tão distante que é quase como se nunca tivesse existido, e as lembranças me sufocam.

Mas tem uma parte minha, uma que não tenho coragem de confessar em voz alta, que já se acostumou com a dinâmica da quarentena. Tem um quê de confortável em não deixar essa casa, em não ver o mundo lá fora — e em viver tudo isso que estou vivendo com Bruno sem me preocupar com o que acontece amanhã, porque amanhã será exatamente igual a hoje. A bolha em que estamos entre essas paredes me faz sentir acolhida. Às vezes, me pego pensando se meu relacionamento com Bruno ainda existiria se não fosse isso.

— O que você quer comer? — ele pergunta, então, me tirando do meu devaneio. Fecho a torneira e seco as mãos em um pano de prato.

— Não sei, tem que ver o que tem na geladeira.

— Quase nada. A gente precisa ir no mercado.

— Amanhã?

— Vou ver se a Santa consegue dar uma carona pra gente.

Observo enquanto Bruno apoia a vassoura na parede e puxa o celular do bolso para mandar uma mensagem para a cunhada e me pergunto se ser casada é isso mesmo ou se só é assim porque somos nós dois e porque é o agora. Me imagino em cinco, dez anos, dividindo essa mesma cozinha com ele, falando sobre as compras que precisamos fazer e as coisas que precisamos limpar, vivendo o cotidiano de dia e me entranhando nele à noite, e percebo que essa perspectiva não me assusta mais. Se o agora fosse para sempre, eu ficaria feliz em viver o resto da minha vida nessa bolha.

— Ela disse que leva a gente amanhã. — Bruno diz, erguendo os olhos para mim — Brina? Tá me ouvindo?

— Tô, tô. Só viajei um pouco aqui. — respondo, abanando suas preocupações para longe com um gesto das mãos.

Me afasto da pia, indo em direção à sala sem pensar muito no que estou fazendo, mas sou interceptada pelos braços de Bruno na minha cintura e seus lábios contra a minha bochecha em um beijo estalado.

— Pensando em quê? — pergunta, e sua respiração faz cócegas na minha orelha.

— Em nada. — digo, dando de ombros, mas logo em seguida minha língua grande fala por mim — Na gente.

Bruno me puxa até estarmos de frente um para o outro, e seus olhos curiosos por trás dos óculos aguardam em expectativa. Suspiro e baixo os olhos, num arroubo súbito de timidez.

— Não parece... fácil demais, isso que a gente tem? — digo. Bruno franze o cenho.

— Fácil como?

— Não sei. — pauso e penso por um instante antes de continuar — Às vezes eu acho que só é tão bom porque é agora, sabe? Que, se não fosse a quarentena, e a gente sendo forçado a ficar junto, então nunca daria certo.

Bruno pensa nisso por um segundo antes de balançar a cabeça.

— É claro que só existe pelo contexto. A gente não tem como saber o que teria acontecido numa versão diferente dos fatos. Mas não significa que não seja real.

— Você não tem medo do que vai acontecer quando tudo isso acabar? — pergunto, então, e ele abre um sorriso confuso.

— Tenho e não tenho. — ele responde. Seu rosto se suaviza, e ele planta um beijo leve na minha boca — Não sei o que acontece depois disso, mas sei que quero estar com você.

Sorrio e o beijo de volta, meu coração aos poucos se permitindo acalmar. Talvez o querer baste. Talvez, seja só disso que a gente precisa.

~*~

No fim, pedimos comida japonesa para acompanhar a festa virtual com os amigos de Bruno. Exageramos no pedido, mas não poderia estar menos arrependida — qualquer desculpa para me entupir de sushi, estarei aceitando.

Quando Bruno abre a chamada, só Tijuca e Nat estão lá. Acenamos para a webcam.

— E aí! — Bruno diz — Cadê o Viola, Nat?

— Já vem. Ele mandou lá no grupo, você não viu? — ela responde — Tá tirando o pão do forno.

— Pão? Teu irmão tá fazendo pão?

— Pois é.

— E a Tuta? — é Tijuca quem pergunta. Nat olha para o lado, com uma careta desanimada e responde:

— Estudando.

— Num sábado à noite? — digo, sem conseguir me conter. Ela ergue as sobrancelhas.

— Pois é. Melhor não perguntar.

Uma nova janelinha se abre na tela, e, após alguns segundos, a imagem de Viola segurando um belíssimo pão caseiro, ainda na assadeira, aparece na tela. Os garotos gritam quase que ao mesmo tempo.

— Falando no diabo! — Tijuca exclama.

— Virou padeiro agora, Viola? — Bruno brinca, mas o amigo sequer dá bola, exibindo o pão para a câmera como um pai orgulhoso.

— Pra você ver, né? Falta só provar.

E, se por efeito ou por burrice, Viola pega o pão com as pontas dos dedos e dá uma mordida. Consigo ver a expressão dele de desespero com a comida quente se formando, e, enquanto Bruno e Tijuca riem da burrice do amigo, eu — e, pelo que consigo ver, Nat também — só consigo fazer uma careta e desviar o olhar. Me inclino para a mesa de centro e escolho um uramaki dentre as opções, mergulhando-o no shoyu antes de trazer até a boca. No meio do caminho, como era de se esperar, faço uma lambança, com shoyu pingando nas minhas pernas, no meu colo e no meu queixo.

— Opa, peraí. — Bruno diz, prontamente.

Ele pega um guardanapo sobre a mesa e, com muito cuidado, me limpa, começando pelas coxas e subindo até o meu rosto. Quando passa o guardanapo no meu queixo, só consigo sorrir como uma criança diante daquele pequeno cuidado. Não é até nos virarmos novamente para a tela da TV que percebemos que está todo mundo nos encarando.

— Hm, a gente perde alguma coisa? — Nat pergunta, com um meio sorriso.

Sinto minha cara inchar de vergonha, mas Bruno não se abala.

— Não, ué. — ele diz, amassando o guardanapo em uma bolinha e o jogando de volta na mesa de centro, antes de passar preguiçosamente o braço pelos meus ombros — O que você acha, Brina? Perderam?

— Hm, não. — respondo, sem saber o que dizer. Tijuca aproxima o rosto da câmera.

— Vocês tão ficando? — ele diz. Olho de soslaio para Bruno, que está perfeitamente sério.

— Como assim, Tijuca? A gente é casado! — Bruno fala, e sua mão livre vem puxar meu queixo na direção dele — Não somos, amor?

Não consigo não sorrir quando ele me beija e todo mundo explode em gritos e comemoração. Me sinto uma adolescente dando o primeiro beijo na saída da escola, exposta e feliz ao mesmo tempo. Quando Bruno me solta, ele só tem olhos para mim.

— Então a gente perdeu um tanto de coisa! — Nat diz, estridente. Quando olho pra tela, Tuta está invadindo a imagem, colocando a cabeça na frente da namorada para olhar.

— O que, o que eu perdi? — balbucia, como quem acaba de acordar.

— A Sabrina e o Bruno estão juntos! — Nat responde. Tuta parece confusa.

— Mas eles já não eram casados?

Gargalho, sem conseguir me controlar. Bruno se ajeita ao meu lado, sem tirar o braço dos meus ombros, me trazendo mais para perto.

— Tá bom, gente, vocês querem fofoca? Então vamos de fofoca. — anuncia, chamando a atenção de todos — Essa é a história de como eu me apaixonei pela minha esposa.

De mala e cuiaDonde viven las historias. Descúbrelo ahora