Passo o dia um tanto catatônica.
É difícil me concentrar em alguma coisa. Vou e volto dos cômodos, ligo e desligo a TV, tomo banho duas vezes e não consigo me distrair com nada. Pego o celular múltiplas vezes esperando notícias de alguém — a quem estou querendo enganar? Notícias de Bruno —, mas não recebo nada. Tento olhar minhas redes, trabalhar, produzir alguma coisa, mas só consigo continuar onde estou, vendo as horas passando.
Está anoitecendo quando meu celular vibra com uma mensagem de Cinthia.
"E aí, chegou? Já comeu?"
Franzo o cenho, sem entender.
"Chegou o quê? Você mandou entregar comida aqui?"
Ela visualiza, mas demora para responder, tanto que tenho tempo de ir até o portão ver se alguém deixou alguma encomenda que deixei passar batido e não encontro nada lá. Quando volto, tem uma mensagem nova dela.
"Mais ou menos. Vc já jantou?"
"Ainda são 6 horas, tá meio cedo", respondo. "Se for um lanche do Bar Bandeirantes eu vou te amar pra sempre!"
"Não é, mas bom saber."
"O que é?"
"Para de ser curiosa, já, já vai chegar."
Desisto de tentar arrancar alguma informação dela e torno a me afundar no sofá, à espera de não sei bem o quê. O "já, já" dela infelizmente demora mais de meia hora, e acabo adormecendo só para ser acordada pela buzina no portão, tão alta quanto se estivesse dentro da sala.
Olho pela janela, mas está escuro, e só consigo ver um par de faróis. Desde quando se faz entrega de comida de carro? Quando não dou sinais imediatos, o motorista buzina mais uma vez, e boto a cara para fora da janela apenas para gritar:
— JÁ VAI!
Antes de caçar meus chinelos e as chaves.
Quando saio, vejo que o carro está imbicado na entrada da garagem, em vez de estacionado na frente do portão. Abro o trinco com toda a paciência do mundo, já pronta para pedir para ele, por favor, tirar o carro dali, quando a porta do motorista se abre e Bruno sai do carro.
Minha primeira reação é tão rápida que não tenho nem tempo de processar o que estou fazendo antes de dar um passo para trás e perguntar:
— Como você sabe onde eu moro?
Bruno se espreguiça calmamente, a imagem clara de alguém que passou as últimas 6 horas espremido dentro de um carro, e só então responde:
— Falei com a Cinthia e ela me passou seu endereço.
— Como você conseguiu o contato da Cinthia? – pergunto, então, ainda confusa.
— Eu tenho um telefone e acesso à internet, Brina. Você vai me deixar entrar?
Fico parada por um momento, sem saber exatamente o que fazer, meu cérebro em pane total. Parte de mim acha que estou sonhando – a qualquer momento agora, vou acordar no sofá da sala com a buzina de um motoboy me trazendo o que quer que Cinthia tenha me enviado para jantar. Só então eu percebo.
Era Bruno. Cinthia tinha me mandado Bruno.
Abro o portão mecanicamente e saio da frente para que ele estacione na garagem. Ele desliga o carro, que reconheço como sendo o mesmo que nos levou até o cartório no dia do nosso casamento, enquanto tranco o portão. Bruno Pega uma mala no banco de trás, uma mala mesmo, dessas grandes de viagem, e então espera na frente da porta, aguardando que eu o convide a entrar.
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De mala e cuia
RomancePara Sabrina, vale tudo para garantir seu visto de entrada em solo canadense: economizar, fazer trabalhos pouco ortodoxos, subir ladeiras para guardar o dinheiro da passagem de ônibus e até mesmo se casar com um completo desconhecido. É por isso que...