01 Ctt

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( E eu só queria ter a felicidade da Branca de Neve enquanto arrumo casa.)

Uma loja enorme, dois banheiros coletivos e vários provadores enormes que mais pareciam pequenas salas de estar. Isso foi o que eu tive que limpar em duas horas e meia antes do final do meu turno.

Está bem... eu e mais duas meninas limpamos, mas mesmo assim é muita coisa considerando alguns pontos como o meu sedentarismo e o tamanho dessa loja. É uma das boutiques mais luxuosa do Rio de janeiro, só entra quem realmente tem dinheiro e disposição para gastar em roupas desnecessárias, não que eu julgue alguém por achar que mudará em algo sua vida se tiver uma Chanel ou duas a menos no seu armário. Eu, claramente só entro porque sou uma das garotas da limpeza e nem sequer olho para a direção das roupas pois a tentação não é da fraca, mas uma camisetinha básica dessa loja seria um mês do meu salário e além disso, tenho uma teoria que gosto de seguir: O que os olhos não veem, o coração não sente vontade de comprar.

Neste momento estou terminado meu trabalho por aqui, olho para trás e aprecio o resultado final. Tudo limpo e cheirando a flores e aromatizantes espalhados pela loja. Recolho todo material de limpeza e coloco em meu carrinho da faxina, fiscalizo se não deixei nada para trás ou perdido no caminho e sigo para a despensa.

Preciso manter uma boa aparência, obvio que terei que fazer esse ritmo sempre, mas comecei a trabalhar aqui semana passada e preciso me manter pelo tanto de tempo possível. Eu realmente preciso do dinheiro, eles me pagam um salário razoável, mas é o bastante por enquanto. Preciso pagar minhas dividas e começar a guardar dinheiro para começar uma faculdade o quanto antes.

Depois de guardar o material, me despeço das outras meninas da faxina e sigo para fora da loja, pelas portas do fundo, obviamente. Estou super cansada e ainda tenho que esperar uma eternidade ate o ônibus chegar.

Quando enfim ele chegou, quase uma hora depois de ficar rodando pela cidade de ônibus eu chego em casa.
"Até que enfim" resmungo para mim mesma enquanto giro a chave no trinco para abrir o portão.

-Charlotte. - Dona Gloria me chama assim que escuta o portão se fechando atrás de mim. -Meu bem, chegou uma carta para você, mas já coloquei no seu quarto. - Ela, uma senhora de sessenta e alguns anos, é quem me alugou o quarto em que durmo, portanto, neste momento somos vizinhas de 'terreno'. Glória apareceu na janela da sua casa me assustando. Ela está com bobs estilo dona Florinda no cabelo e alguma coisa gosmenta no rosto, assim que a vejo torço o nariz em uma cara de nojo sem querer. Ela sempre usa cremes no rosto durante o dia, mas nunca irei me acostuma a conversar com alguém com a pele escorrendo massa rosa.

-Ah... obrigada, dona glória.- Sorrio em um falso agradecimento.

Ainda me incomodava o fato de chama-la de 'Dona', isso me soava desrespeitoso, porém, foi ela que insistiu para que a chamasse assim.

-Por nada. - Seus olhos logo se focam em meu rosto e eu já sabia o que viria seguir, alguma reclamação de algo que fiz. - E antes que eu me esqueça... - Ela começa. - Dê um jeito naquele bicho horrendo que você chama de gato. Ele acabou com minhas cebolas hoje de manhã. Eu não o aguento mais! - Ela diz irritada ajeitando os rolinhas do cabelo com uma mão para dar drama a suas feições.

Eu respiro fundo e só não conto até dez porque não tinha tempo de reação.

-Dona Glória, pela milésima vez, eu não tenho gatos. Ele deve ser da casa de cima.

-Não quero saber. Apenas dê um jeito. - Ela rosna.

-Mas eu... — Início uma oposição, mas ela é mais rápida em me cortar com um olhar superior para acompanhar.

-Menos menina, se ele comer minhas cebolas de novo eu desconto do seu aluguel entendeu? - Ela me ameaça sem me olhar dessa vez.

- Entendi - Dou um suspiro de derrota. Não tem como discutir com ela, descobri isso da pior maneira, não existe diálogo com pessoas que não sabem dialogar. Mas já me acostumei com as patadas da vida.

Dona Glória é a famosa "fofoqueira da rua". Ela sabe de tudo e de todos e não mede palavras pra ofender ninguém. E eu não sabia disso e inocentemente aluguei um quartinho no fundo da sua casa.

Ela não cobra muito caro, não mais do que o justo, mas se contar o tanto de desaforos e incomodo que ela me fornece, esse quartinho é um famoso " barato que sai caro".

Ainda com um sorriso forçado, passo pela minha adorável vizinha e vou para meu quartinho, destranco a porta e pego a carta que dona Glória jogou debaixo da porta. É mais uma conta do hospital. Sento na minha cama e abro a correspondência.

O que mais eu esperava que fosse? Talvez um cantinho do meu coração tinha esperanças em uma carta de amor. Talvez um rapaz que eu tenha conhecido anos atrás que ainda não me esqueceu resolveu me escrever dizendo que queria me rever... mas minhas expectativas sempre viravam camicases quando observava o desenho do logo de algum banco na frente do envelope.

Ao abrir a correspondência, observo os números e quase tenho meu primeiro infarto. Eu sabia de cor os juros que viriam, mas eu sempre me assustava, acho que é efeito de quando a realidade bate, mas principalmente o que representa para mim essas despesas e contas que me perseguem. O fato é que quando minha mãe morreu ela me deixou completamente sem nada, nada além de contas enormes do hospital onde ficou internada e a saudade dela principalmente.

Eu e minha mãe éramos de uma cidade do nordeste do país, nós viemos morar no Rio faz uns quatro anos, ela pensava que acharia melhores condições de vida aqui, longe do meu pai e de sua família.

Inocente. Eu e ela.

Eu tinha 18 anos, porém não me sentia independente o bastante para ficar sozinha sem minha mãe, pelo menos assim pensava. Ela me arrastou para o Rio sem perspectivas nenhuma. Simplesmente viemos. Ela conseguiu emprego como faxineira em um hotel e eu trabalhava em uma lanchonete. Não ganhávamos muito, mas deu para alugar uma casinha simples. Dois anos depois ela faleceu e me deixou com-ple-ta-men-te sozinha nessa cidade imensa.

Na época eu entrei em desespero, tive que sair de casa pois não tinha dinheiro para o aluguel, tinha muita conta no hospital, mas consegui dividir em inúmeras parcelas, fora o preço do velório que ainda não terminei de pagar. Tinha perdido o emprego pois faltei várias vezes para cuidar de minha mãe no estágio final da doença e não tinha pra onde ir. Até que achei no jornal esse quartinho para alugar. E aqui estou eu agora. Perdida nessa cidade e precisando urgentemente tomar um rumo na vida.

Bom, de que adianta lamentações agora? Preciso só pensar no futuro. Até porque já me acostumei com a cidade grande mesmo. Levanto a cabeça e vou continuar minha vida.

Tomo um banho rápido no meu mini banheiro, faço meu jantar na minha mini cozinha e deixo meu almoço preparado para levar para o trabalho amanhã. Deito na cama e pego um livro do Sidney Sheldon que aluguei na biblioteca e leio até adormecer.

Amanha será outro dia comum da minha "emocionante" rotina...

Meia Noite e Um - Completo ✔Where stories live. Discover now