Capítulo 02

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Um mês depois...

Primeiro, sinto meus pés congelarem. Eu estava caminhando a passos lentos e de repente não estava mais. Havia uma barreira invisível que não me permitia dar mais nem um passo na direção pretendida. Um suor gelado e mórbido surge na minha nuca e minha respiração acelera de um instante para outro. Olho confusa para o buquê de angélicas em minha mão direita e, como se ele fosse tóxico e pudesse me envenenar, largo-o quase que imediatamente. Dou um passo para trás.

Dois. Três. Quatro.

Posso ouvir os sons do violino ao longe e sei que devo caminhar na direção deles. Mas não posso. Meu coração se acelera e então tiro as sandálias de salto alto que tanto relutei em usar. Foi um erro não seguir meus instintos e dizer sim para elas. Largo-as no gramado e me viro e começo a correr.

Cinco, seis, sete, oito...

Perco a conta dos passos.

O som dos violinos vai ficando para trás, assim como a sensação sufocante que começara a tomar conta de mim. Prometi a Valentín que apareceria e me sinto uma covarde por estar fugindo dessa forma... Mas a quem quero enganar? Ficarmos noivos foi uma atitude estúpida e precipitada que eu simplesmente não soube muito bem como desfazer. Valentín é atencioso, gentil, compreensivo e incrivelmente bonito, mas nunca fez meu coração disparar. Minhas pernas nunca ficaram bambas, minhas mãos nunca transpiraram... Uma parte de mim dizia que isso não era relevante; que se tratava apenas de uma ideia absurda e utópica criada pelos filmes, novelas e livros de romance. Mas eu não queria casar só por casar... Mas acho que deveria ter chegado a essa conclusão antes.

Chego à avenida mais próxima e estou pronta para pedir um táxi quando Nina e Noah, meus padrinhos, acenam na minha direção com um olhar compreensivo. Olho para trás, confusa e quero saber:

— Vocês não deviam estar lá? — aponto para a belíssima casa de campo que acomoda pelo menos cem pessoas à minha espera. É irônico eu lhes fazer essa pergunta, pois eu própria também deveria estar lá.

— Além de padrinhos, somos seus melhores amigos — Noah lembra, com um meio sorriso sedutor que é típico dele.

— Sabíamos que você não ia entrar... Assim como sabíamos que esse casamento era uma total perda de tempo.

— E nós até tentamos te dizer isso — Noah emenda, antes que eu pergunte por que me deixaram seguir em frente com tudo. — Mas você precisava ver por si própria que estava cometendo um erro.

— Isso vai partir o coração do Valentín... — constato, subitamente tendo dificuldade para respirar.

— Provavelmente. Mas sabemos que também está partindo o seu — Nina parece solidária e só então eu entendo tudo que ela viveu com Marco. De nada adiantou eu lhe dizer que ele não prestava... Ela precisou descobrir isso por si só. De nada teria adiantado meus amigos me dizerem que esse casamento era um erro. Eu precisava arriscar. Meu coração doía não pelo dinheiro ou tempo gastos, mas pelo que minhas atitudes fariam com Valentín.

Valentín. Toda a família dele presente. Tudo que ele sempre sonhou indo por água baixo em alguns segundos. Meu coração aperta e...

— Podemos ir embora? Eu... Só... Que-quero — e então tudo ficou escuro e meu corpo amoleceu.

****

Minha cabeça está pesada. Merda. Nem ingeri álcool o suficiente, mas mesmo assim sinto o mundo inteiro girar em volta de mim. Há um sorriso doce à minha espera, mas que não está envolto pela pele negra e macia de Valentín.

— Ela está acordando... — a voz feminina é familiar. Pisco os olhos mais algumas vezes, tentando focalizar melhor e vejo cabelos alaranjados como fogo. Rafa. Saber que ela está ali me conforta. Logo mais três pessoas se aglomeram ao lado dela: Nico, Nina e Noah. Todos estão sorrindo de forma solidária e então me lembro.

Eu fugi do meu próprio casamento.

Não consigo nem dimensionar o quão patético isso é. Sinto-me quebrada por dentro, pois sei que decepcionei alguém que não merecia. Mas talvez, me casar com ele, me tornasse uma pessoa ainda pior. Não sei como nem por que deixei as coisas chegarem aonde chegaram... Mas não há muito para onde fugir agora.

— Você precisa de alguma coisa? — é Nina quem pergunta, tentando me reconfortar com seu sorriso.

— Onde estão Dani e Sam? Não precisam se preocu... — é Nico quem me interrompe.

— Minha mãe e Pietro estão cuidando delas. Nós vamos ficar com você...

Quero ser durona e mandar cada um cuidar da sua vida. Quero dizer para que não se preocupem comigo, pois estou bem e posso cuidar de mim mesma. Quero dizer que fugir do casamento não foi nada demais e que vou resolver as coisas com Valentín no dia seguinte (como isso pudesse ser algo a ser resolvido). Quero fazer tantas coisas, mas apenas suspiro e digo:

— Podemos pedir uma pizza?

Meus amigos sorriem na minha direção e sinto que estão morrendo de vontade de me abraçar. Mas não quero ser abraçada ou consolada agora. Quero só comer uma pizza de frango e fingir, por ora, que nada aconteceu. Felizmente, eles me conhecem bem o suficiente para assentirem sem grandes demonstrações de afeto, principalmente aqueles que envolvem um bocadinho de pena. Não quero que sintam pena de mim. Ter cada um deles ao meu lado é o suficiente para me lembrar que tudo vai ficar bem.

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Tudo que eu queria agora, era tá em volta desse grupo, comendo uma pizza de frango enquanto a Marcela tenta lidar com o fato de ter fugido do casamento. Muito melhor que estar morrendo de cólica, num país que me tirou das diretrizes dos direitos humanos (e também o Noah e a própria Marcela), que acabou com o ministério da cultura </3 e diz que menino tem que usar azul e menina tem que usar rosa, como se isso resolvesse o problema de alguém. Sem contar nas outras merdas que estão acontecendo em tão pouco tempo de mandato. Como vocês estão lidando com tudo isso? Bora fugir pra Buenos Aires?

Rainha do Pouco CasoWhere stories live. Discover now