Capítulo 03

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Dois anos depois...

Sinto um frio na barriga, mas estou perfeitamente no controle das minhas emoções. O ar condicionado do saguão está forte, então já me envolvo em um casaco quentinho, enquanto a atendente continua segurando minha identidade e teclando um monte de coisas no computador.

— Aqui está, senhorita Marcela. O embarque será iniciado em quarenta minutos. Precisa de alguma coisa?

— Não, obrigada.

Nos despedimos com um breve sorriso antes de ela chamar o próximo cliente na fila. Agora, sem malas nas mãos, caminho mais tranquilamente ao encontro dos meus melhores amigos. Nina e Noah parecem chorosos com a minha partida, mas estão se controlando a respeito disso por enquanto. Sei que não vai durar muito tempo, mas fico grata a eles mesmo assim.

— Vê se não exagera no chili, hein — é Noah quem diz enquanto caminhamos os três em direção ao portão de embarque.

O aeroporto de Ezeiza é praticamente minha segunda casa. Depois de, literalmente, fugir do meu próprio casamento, passei a aceitar uma infinidade de viagens a trabalho. Foi assim que, em dois anos, viajei para dez países: Peru, Chile, Colômbia, Estados Unidos, Canadá, Guatemala, Porto Rico, Brasil, Portugal e México; sendo este último, meu próximo destino.

Eu não tinha intenção de deixar Buenos Aires por um período longo, confesso. Mas a vaga de diretora de redação de uma nova revista praticamente caiu no meu colo e exigiu minha presença. Eu não estaria apenas ocupando o topo da cadeia alimentar da redação. Estaria também fazendo história: a primeira revista feminista do Diario 26.

— Você tem certeza sobre tudo isso? — a pergunta vinha da minha melhor amiga, que gesticulava ao seu entorno para me lembrar da grandiosidade de tudo que estava por vir.

— Vindo de você, essa pergunta é incoerente — lembrei-a de forma educada. Ela franziu a testa, como se esperando uma justificativa. Bufei. — Foi você que largou um emprego estável e uma vida em São Paulo para mudar de país em nome de um grande amor.

— Tem razão — Noah sempre foi o mais sensato. Nina o fuzilou com os olhos, deixando bem claro que não havia pedido sua opinião.

— Além do mais, eu vim até aqui por vocês... Vai ser ótimo fazer uma mudança dessas por mim. E só por mim — era o que eu vinha repetindo para mim mesma. Precisava desse emprego. Queria esse emprego. Se não fosse agora, talvez não fosse nunca.

Chegamos ao portão de embarque e trocamos olhares cheios de expectativa e saudade antecipada. Meu plano era ficar um ano no México e voltar para Buenos Aires assim que a revista estivesse minimamente consolidada. Passaria rápido, Noah me dizia.

— Um ano é uma eternidade — minha melhor amiga com certeza não concordava com o próprio cunhado. — Samantha e Dani estarão enormes... Imagine só quantos centímetros de crescimento você vai perder. Sem contar que a Sam vai sentir muito a sua falta. Quem vai ser a tia que fará todas as vontades dela a ponto de fazê-la acreditar que sou uma tirana?

— A Rafa — Noah e eu respondemos em uníssono. Nina apenas revirou os olhos. Respirei fundo e encarei-a de forma atenta.

— Você acha que eu deveria ficar? — ela jamais responderia sim. Eu sabia. E apenas por isso, lhe fiz essa pergunta.

— Não!!! — seu tom era exagerado. Ela mexia muito as mãos enquanto falhava miseravelmente na tentativa de segurar suas lágrimas. — Você é a mulher mais incrível que já tive a honra de conhecer... Você merece conquistar o mundo. E uma revista feminista??? Eu acho que não poderia haver emprego no mundo que combinasse mais com você. Minha melhor amiga vai fazer essa revista ser o maior sucesso da América Latina em menos de seis meses.

Rainha do Pouco CasoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora