Capítulo 13

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Sinto-me perdida por um instante. Sei que devo começar toda essa história pelo começo, mas há tanta coisa fervilhando em minha mente. Paloma está impassível e aguarda uma resposta pacientemente. Respiro fundo antes de começar.

— Fui estagiária em um jornal durante mais de um ano. Eu estava lá não apenas para enfeitar o meu currículo, mas para aprender com os profissionais de verdade — Paloma respira fundo e junta as sobrancelhas, como se não compreendesse o que a minha história tem a ver com a dela. Prossigo. — E então, um bando de homem brancos, velhos e machistas me colocaram para servir o café deles. E foi o que eu fiz por mais de um ano. Foi ridículo e o tempo mais mal gasto da minha vida.

— Continue — pede e não consigo decifrar emoções em sua expressão.

— Quando me chamaram para cá, fiz algumas exigências. Algumas muitas, sendo honesta. Sendo elas: uma equipe exclusivamente feminina; pelo menos 25% das vagas destinadas a mulheres trans; mulheres de diferentes faixas etárias, com benefícios especiais para aquelas que são mães... Algumas coisas eu ainda não consegui, mas não me dei por vencida. Estou tentando dar um passo de cada vez, sabe? — ela assente, mas ainda não a sinto mais amigável. Talvez esteja dando muitas voltas para chegar onde Paloma realmente quer. — Eu pedi por uma assistente pessoal, mas me mandaram escolher entre isso ou uma licença maternidade estendida para nossas funcionárias. Como você pode imaginar, fiquei com a segunda opção. Minha ideia era chegar aqui e contratar uma assistente por fora. Alguém que trabalharia para mim e não para a empresa. E aí eu conheci você. E sabia que se ficasse como estagiária, você não aprenderia nada muito além de servir café e ser cordial com as pessoas. Então pensei: por que não unir o útil ao agradável? Você precisa de experiência profissional e eu precisava de uma assistente. Você já estava aqui, então...

— Então você resolveu me promover, mas sem me contar que 70% do meu salário seria pago por você?

— Sim.

— Sabe, Marcela, eu não sou muito de me importar com o que as pessoas pensam. Mas o meu contracheque oficial, esse aqui que eu acabei de ver e que você vinha escondendo de mim, passa por um monte de gente antes de chegar até você. E essas pessoas provavelmente estão questionando a minha capacidade profissional. Estão se perguntando o que eu fiz para ganhar a sua confiança ou ser seu braço direito enquanto você me paga com o seu próprio dinheiro.

— Eu sinto muito, Paloma. Nunca foi minha intenção que duvidassem de você ou do seu trabalho. Eu só... Olhei para você e enxerguei a Marcela que fui e que gastou um ano da sua vida recebendo um auxílio ridículo e que não aprendeu porra nenhuma porque não teve essa chance. Eu sinto muito mesmo.

— Eu achei que a Diana e os superiores dela tinham visto o meu currículo e gostado dele. Achei que esse era o motivo de eu ter sido promovida. Não sei se consigo continuar aqui sabendo que acreditei numa mentira.

A ideia de não tê-la por perto me apavora. Não apenas porque eu preciso dela para conseguir trabalhar, mas também porque ela é a primeira pessoa a quem consigo chamar de amiga. Não me sinto nada orgulhosa por ter mentido para ela, mas realmente acreditei que estava fazendo algo de positivo. Pensar nessa história sob o ponto de vista dela faz eu me sentir estúpida.

— Por favor, Paloma, eu preciso de você aqui. Preciso de você como profissional, porque é brilhante e talentosa no que faz. E preciso de você como amiga, porque não faço ideia de como passar por esses ataques sem uma pessoa em quem confie.

— Eu achei que pudesse confiar em você, Marcela. Não sei se posso mais.

Acabo com a distância que existe entre nós. Ajoelho-me diante dela, algo que nunca achei que faria em nenhuma circunstância, e seguro sua mão entre as minhas.

— Por favor, fique. Sinto muito por não ter sido honesta e transparente com você, mas prometo que não vai se repetir. Você pode me perguntar o que quiser sobre qualquer coisa, pessoal ou profissional. Serei um diário aberto com você.

Ela desvia o olhar do meu, mas não retira suas mãos das minhas. Está indecisa e sou capaz de sentir como a dúvida é grande dentro de si.

— Posso pedir a Diana que demita você da revista para que contratemos outra estagiária. Vou falar com o pessoal do jurídico e pedir para que me ajudem a contratar você como minha funcionária. Serei sua empregadora e explicarei para todos na Revista o motivo da minha decisão. Faço o que você quiser, Paloma. Só não pule do barco agora, eu preciso de você.

— Nós não precisamos de uma estagiária — me explica a contragosto. Seus olhos estão baixos, mas finalmente encontram os meus. — E eu não quero fazê-la gastar ainda mais comigo, Marcela. Não é disso que estou reclamando, eu só... Não queria ter sido a última a saber.

— Você tem razão e me sinto idiota por ter achado que seria melhor não conversar com você a respeito. Me dê uma chance e eu prometo que não vou decepcioná-la assim outra vez. Como disse, vamos conversar e você poderá me perguntar o que quiser. Você vai saber exatamente com quem está trabalhando.

— Depois do trabalho, no meu apartamento — ela avisa com um suspiro cansado e eu respiro aliviada no mesmo instante. Levo suas mãos até meus lábios e as beijo em agradecimento.

Digo infinitos obrigadas enquanto ela sai da minha sala. Não posso permitir que a Feminist comece a desmoronar bem diante dos meus olhos. Farei o que for possível para manter o meu incrível time e sei que, juntas, seremos capazes de superar os ataques que estão surgindo contra nós.

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Sei que sumi, mas quem me acompanha pelo Instagram sabe que tenho tentando ser honesta comigo, com o meu trabalho e com as coisas que faço. Não escrevi enquanto não senti que queria, de fato, fazer isso. Tem sido um período louco de autoconhecimento, mas acho que todo mundo precisa disso em algum momento da vida né? E fico feliz por estar sendo honesta e gentil comigo mesma. Espero que vocês possam entender isso e não desistam de mim <3

Rainha do Pouco CasoWhere stories live. Discover now