Capítulo Um - Parte 1

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— Eu sei que minha mãe pediu para você vir conferir isso aqui, mas precisa mesmo ficar sentada aí?

Solto o ar de uma vez e olho para Nai, parada na porta que dá para a passarela entre dois megaprédios. Ela deu sorte por só ter subido agora, porque se tivesse chegado um pouco antes ia ter me visto dependurada na passarela.

— Está estável — aviso. — Eu conferi.

Nai cruza os braços e continua no mesmo lugar. Como se uma necromante precisasse se preocupar com uma coisa tão mundana quanto uma queda. Aposto qualquer coisa que os necromantes têm medidas de segurança embutidas em praticamente todas as passarelas, se não tiverem em todas mesmo. É a única explicação possível para eu nunca ter visto nada sobre acidentes com pessoas caindo por um motivo ou outro, especialmente considerando como umas tantas dessas passarelas estão quase aos pedaços.

— Se estiver parada aí por causa do frio, acredite se quiser mas vir para cá vai ser melhor — continuo.

Ela resmunga alguma coisa e vem na minha direção, olhando por cima do corrimão com cuidado.

Essa passarela é a mais alta no nosso prédio e está abandonada desde antes de eu vir para os bairros altos. Já ouvi histórias de que ninguém usa ela porque é estava balançando e ficaram com medo de cair - e, tá, ela balança, mas é o normal considerando a altura e o vento e ela foi construída pensando nisso. Mas ainda acho que pararam de usar a passarela só por causa do frio. Estamos alto demais, bem acima daquela bolha de calor que são os andares mais baixos dos megaprédios, incluindo as passarelas e as ruas. Mesmo sem o vento, aqui já seria gelado. E hoje está ventando - o que é justamente o motivo para eu ter continuado aqui, porque estou aproveitando isso para praticar manter um escudo de calor ao meu redor.

Nai para ao meu lado e se abaixa devagar, se segurando nos canos do corrimão com cuidado antes de se sentar. Estico o escudo de calor para ela. Droga. Isso deveria ser fácil.

— Você é louca — ela fala.

Dou de ombros e olho para baixo de novo.

— Não sou eu que acho divertido ficar enfiada em um quarto trancado com pedaços de coisas mortas.

— Ei!

E eu queria ao menos rir da reação dela, mas não consigo.

Nai não fala mais nada. Suspiro e continuo olhando para baixo. Aqui é alto - muito alto - mas não é nada comparado com a altura que um wyvern chega. Não para viagem, obviamente. Existe uma altura regulamentada quando algum draconem está voando de um lugar para o outro. Mas, em situações hostis? Não sou inocente a ponto de pensar que alguém seguiria isso. Essa é a pior parte: saber que não tem como saber se tem algum wyvern bem acima de nós, alguém de Zeli-Amare com algum equipamento novo de vigilância ou sabe-se lá o que tenham arrumado agora.

— Vai falar porque está sentada aqui olhando pro nada ou vai esperar um vento mais forte derrubar a passarela? — Nai pergunta.

— Vai ter que ser um vento um pouco exagerado demais para derrubar isso.

E é justamente por causa do vento que não estou dependurada na passarela, usando ela para treinar. Porque fiz isso, o vento bateu, e eu comecei a imaginar o que vai acontecer se Zeli-Amare tiver alguma forma de criar ventos mais fortes. Eles não precisariam de muito mais que isso para desestabilizar completamente os bairros altos. Se as passarelas começarem a cair do nada, primeiro vamos ter uma onda de mortos e feridos que não temos a menor condição de lidar. Depois provavelmente viria uma onda de violência contra qualquer coisa ligada aos draconem - porque se as passarelas caíram, obviamente a culpa é das pessoas na cidade central de Raivenera. E enquanto estivessem tentando lidar com isso, Zeli-Amare atacaria.

Marcas de Sangue (Draconem 3) - DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora