Capítulo Um - Parte 2

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Nai não fala mais nada enquanto descemos as escadas até o quinquagésimo andar, que é até onde os elevadores funcionem. Para cima disso só tem uma passarela - onde eu estava - e a maioria dos apartamentos está vazio. Todo mundo que tinha como ir para um andar mais baixo ou outro mega-prédio foi embora depois que avisaram que não tinha a menor chance dos elevadores voltarem a funcionar nos últimos andares.

Nai aperta o botão para chamar o elevador e me encara.

— Simples assim. Vai aceitar.

Assinto. É o único jeito, porque tenho certeza de que Augusto não teria me oferecido isso à toa. Ele tem mais motivos do que me contou.

— Você vai brincar de roleta russa — Nai resmunga. — Você e Augusto.

— Não é bem assim...

Ela cruza os braços.

— Então você vai me falar que não existe uma chance real de você morrer, depois do que me contou?

Suspiro. Queria poder dar certeza que não, porque minha família é antiga e toda essa baboseira. Mas é o que ela entendeu mais cedo: os draconem pararam de usar a Confirmação porque pessoas de famílias antigas estavam morrendo. Mas isso continua sendo a única resposta que eu posso dar.

— Posso ter sido banida, mas ainda sou Valanar.

— E eu sei reconhecer quando alguém está fugindo da pergunta.

— Nai...

A porta do elevador se abre.

— Se é para se matar, você poderia ao menos ter a decência de fazer isso onde eu posso buscar o corpo — ela resmunga.

Os dois homens no elevador arregalam os olhos, me encarando. Suspiro e entro no elevador. Eles olham para Nai, que entra logo depois de mim, e se espremem em um canto. Não sei se vi eles por aqui antes, mas ou são da parte menos ativa da família de Nai, os que eu raramente vejo, ou são só dois desavisados que tiveram o azar de pegar o final dessa conversa.

Porque foi o final. Nai não é louca de continuar resmungando enquanto descemos no elevador, que vai enchendo até chegarmos no vigésimo oitavo andar, e aí esvazia de uma vez quando todo mundo sai. Tem um limite para o que dá para arriscar falar em público e esse resmungo dela, pelo menos, daria para ser entendido como uma brincadeira ou algo do tipo: porque ninguém que não saiba sobre os necromantes vai imaginar que pudesse ter um fundo de verdade nisso.

E eu não vou perguntar quanto de verdade tinha naquele comentário.

Paro na fila do elevador - o que vai até o térreo, agora - com Nai ainda de braços cruzados e visivelmente irritada do meu lado.

— Se estiver achando tão ruim assim continuar na fila, a gente pode descer de escada. Não tenho nenhum problema com isso.

Nai finge que não me ouviu. Típico. Só porque da última vez que ela reclamou de fila eu resolvi descer pela escada, ela tentou me acompanhar, desistiu no meio do caminho e teve o azar de encontrar com Kauã quando foi pegar o elevador, bufando como se tivesse corrido uma maratona.

Só nós descemos no andar do apartamento de Nai e puxo ela para perto da parede assim que as portas do elevador se fecham.

— Morrer não está nos planos. Mas é melhor mais ninguém ficar sabendo sobre isso.

Nai revira os olhos.

— Não precisa ofender.

Porque é óbvio que ela não ia falar nada para ninguém. Dou de ombros. Estou ficando mais paranoica e a paranoia está indo para outros lados agora, mas eu precisava falar isso. Ninguém pode saber disso. Principalmente porque sei que Nai não é a única que diria que isso é loucura, mas também porque eu não sei de nenhum detalhe. Não vou jogar uma informação pela metade no meio da situação em que estamos.

Marcas de Sangue (Draconem 3) - DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora