Ser reconhecido.

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"Porque toda carne é como erva, e toda a glória do homem, como a flor da erva. Secou-se a erva, e caiu a sua flor."
(1 Pedro 1.24)

Um ano depois...

     Não demorou muito para que Rafael se tornasse conhecido por todos os homens que Bruno dizia ser importantes na vila.

     Ele ainda continuava fazendo algumas entregas, e havia se tornado de confiança para os traficantes da Vila, com apenas quinze anos Rafael só entendia uma coisa, que estava cansado de sempre estar a sombra de Bruno.

     Ninguém o chamava pelo seu nome, apenas de "É o pivete que o Bruno achou!", e o garoto já estava cansado daquilo, ele queria ser reconhecido, ele queria que seu nome causasse tremor assim como o nome dos mais temidos naquela Vila.

     Rafael estava sentado em um dos sofás da casa de Bruno. Havia acabado de chegar da escola e ainda estava com o seu uniforme do colégio, ele sabia que deveria ir para casa, tomar um banho, almoçar, mas ver a cara de sua tia Helena era implorar para que ele perdesse o pouco de paciência que restava dentro do rapaz.

     Ele não via a hora de conseguir realmente um cargo bom no meio dos traficantes e conseguir uma casa para apenas ele e Rita morarem.

     Rafael respirou fundo e abriu o livro que havia pegado na escola, Cidade de Deus, ele se lembrava de ter assistido o filme, mas sabia que o livro tinha muito mais conteúdo a ser absorvido.

     -Cara se é louco, por pouco não me levaram. -Uma voz grossa interrompeu a leitura de Rafael fazendo o garoto levantar os olhos e observar o homem que chegava com Bruno. -Quem é esse pivete? -Os dois olhos, cada um de uma cor do homem, faiscaram.

     -Fica suave, ele é gente fina. -Bruno falou sorrindo.

     -Meu nome é Rafael. -O garoto se levantou. Estava cansado de te que esperar sua vez para se apresentar, ele precisava mostrar de alguma forma quem ele era.

     -Eita, comédia... -Bruno arqueou as sobrancelhas em alerta.

     -Gente fina, é? -O homem sorriu maliciosamente.

     -Não ligue para ele, é apenas um pivete de quatorze anos.

     Rafael revirou os olhos.

     -Deixa eu ver esse livro aqui. -O homem arrancou o livro das mais de Rafael. -Cidade de Deus... -Ele leu e Rafael se impressionou com o fato dele saber ler tão perfeitamente, a maioria dos rapazes que andavam com Bruno haviam largado a escola antes mesmo de aprender qualquer coisa que lhes fosse útil. -Novidade alguém se interessar pela leitura... -Ele sussurrou.

     -Já disse para ele que isso aí é uma perda de tempo. -Bruno falou indo até a cozinha e abrindo uma garrafa de bebida. -Mas ele não me escuta, vai pra escola, vive com o rosto enfiado nesses livros...

     -Bruno, quando eu me dirigir a você, você pode falar, deixa o garoto responder por si só, ele já é capaz de fazer isso. -O homem arqueou as sobrancelhas, no mesmo instante Bruno se calou, e olhou novamente para Rafael. -Está gostando do livro?

     -Sim... -Um temor passou por Rafael.

     -Não ligue para o que esses idiotas dizem. O estudo te levará mais longe do que você possa imaginar, a educação irá abrir portas inimagináveis para você. -Ele sorriu.

     -Você quer um pouco de bebida, Leandro? -Bruno perguntou oferecendo a garrafa para o homem.

     E foi aí que Rafael sentiu seu estômago se afundar. Aquele homem não era mais um entre milhares de gerentes que existiam na Vila... Ele era o dono da boca.

     -Eu estou suave dessas coisas. Melhor eu dar um gás daqui e ir para a casa. -Ele começou a andar, mas se virou para olhar para Rafael novamente. -O que você faz?

     -Só entrego, senhor. -Ele respondeu.

     -Bruno acho que tu poderia mudar o cargo do pivete aí, ele tem futuro. -E saiu andando.

     Quando Leandro saiu, Rafael sentiu que poderia respirar novamente. Finalmente ele poderia sair da sombra de Bruno, era tudo que qualquer garoto da idade dele queria, mas por que ele não se sentia satisfeito?

Feito de PedraWhere stories live. Discover now