Tudo ou nada. 2/4

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"Porque na morte não há lembrança de ti; no sepulcro quem te louvará?"
(Salmos 6.5)


     As mãos de Ramon tremiam e uma gota de suor escorreu pela sua testa. Telma já não chorava mais, apenas soluçava em cima do corpo de Tomás, seu irmão que não tinha mais nenhum pingo de vida.

     A vida que Ramon havia acabado sem pensar duas vezes. Tomas deveria ter uns onze anos. Era uma criança adorável, por diversas vezes Ramon havia jogado futebol com o garoto sem nem ver as horas se passarem, apenas paravam quando a mãe de Telma vinha chamar o garoto e convidava Ramon para jantar junto com a família.

     Mas nenhuma dessas memórias estava ali quando Ramon apertou o gatilho. Nenhum dos momentos mais felizes que havia passado ao lado de Telma veio até sua mente para fazer o rapaz pensar sobre a besteira que estava fazendo.

     Ele já havia começado, então deveria ir até o final.

     Se Telma não quisesse mais ficar com ele, ela não ficaria mais com ninguém.

     Ele a mataria, e depois acabaria com a própria vida.

     -Vamos, Tel. Chega de se lamentar, vamos a terminar pronto con todo eso.

     -Ramon... –A garota sussurrou levantando o rosto e encarando o rapaz a sua frente que apontava a arma diretamente para ela, como um dia Telma pode gostar daquele monstro? –Por favor, ainda dá tempo de você desistir dessa ideia maluca!

     -Telma, eu estou pensando nisso a quase um mês, e todas as coisas que poderiam me fazer desistir são inúteis perto do ódio que estou sentindo por você.

     -Por el amor de Dios, Ramón! –Lágrimas voltaram a jorrar pelo rosto da garota.

     -Não há nada que se possa fazer agora, Tel. –Ele segurou a arma mais firmemente, era agora ou nunca.

     -Ramon! Pare! –Uma voz grossa e autoritária chegou até os ouvidos do rapaz.

     Ramon olhou para o rapaz alto e esguio que aparecia na cozinha. O jovem respirava pesadamente como se tivesse corrido uma maratona. Ramon pensou em perguntar como ele havia entrado, se todas as portas estavam fechadas, mas aquilo era o que menos importava naquele momento, o que aquele louco estava fazendo ali?

     -Rafael? –Telma o olhou assustada.

     Ramon franziu as sobrancelhas enquanto aos poucos se lembrava de quem era o rapaz. Rafael estudava na mesma sala da faculdade de medicina que Ramon, mas os dois nunca haviam trocado uma palavra sequer, pelo contrário, Ramon não gostava do rapaz, por ser o melhor da turma, Ramon fazia de tudo para infernizar a vida do rapaz. Quando descobriu então que ele ia para a igreja foi como se tocasse em uma ferida aberta do garoto.

     Rafael nunca revidou as provocações, mas Ramon podia ver que as orelhas do rapaz ficavam vermelhas enquanto tentava controlar a raiva.

     -O que você está fazendo aqui?

     -Eu vim conversar com você, Ramon, e quem sabe faze-lo mudar de ideia. ¡Intentar hacerte parar con esa locura!

     -Você é um idiota, se acha mesmo que eu vou parar o que eu estou fazendo. –Ramon riu sem humor algum em sua voz. –Eu já comecei com isso Rafael, não tem como parar!

     -Tem sim, não acabe com o que resta da sua vida! –Rafael fez a menção de se aproximar, mas Ramon apontou a arma para o rapaz.

     -Mais um passo e eu atiro em você!

     -Você não faria isso.

     -Garoto, não me desafie!

     -Mas eu sei que você não faria isso!

     -Eu já matei o irmão dela! Você para mim não é nada de mais! –Ele gritou com a voz rouca e algumas lágrimas de raiva escorreram pelo seu rosto.

     -Eu não tenho medo de morrer, Ramon. –Rafael sabia que era incrivelmente arriscado, mas já haviam se passados os dias que ele tinha medo da morte. Deus era com ele, e ele estava ali para salvar aquela alma, não era possível que o Senhor não guardaria a sua vida.

     -Pois deveria... –As mãos de Ramon tremeram. –Mas por que você se importa? Sério, cara! Eu sempre fiz da sua vida na faculdade um inferno! Te irritei todas as vezes possíveis! Você deveria estar estudando agora, por que se importa?

     -Usted tiene razón. –Rafael disse e seus olhos castanhos pareciam se misturar com as pupilas, de tão escuros que estavam. –Por que eu deveria me importar com alguém que não fez o mínimo de esforço para ser pelo menos respeitável comigo? Por que eu deveria me dar o trabalho de perder a prova mais importante desse semestre apenas para vim aqui na sua casa tendo a plena consciência de que eu posso levar um tiro a qualquer segundo? –Rafael respirou fundo. –Eu vim aqui porque Deus se importa com você, e se Ele se importa, eu também me importo.

     Uma risada sarcástica explodiu da garganta de Ramon.

     -¿Esto es serio? –Ramon se controlou. –Você vem na minha casa, parar o que eu estou fazendo para me falar de Deus? Isso é ridículo! Não somos iguais, cristãozinho.

     -Não mesmo. –Rafael falou. –Se você soubesse metade da minha história, não acreditaria como estou vivo hoje.

     Ramon franziu as sobrancelhas, mas quando Rafael ia abrir a boca para poder contar um pouco do que ele havia vivido a porta da frente bateu com força. O rapaz não entendeu, mas os olhos de Ramon pareceram soltar faíscas.

     Telma havia conseguido fugir enquanto Ramon prestava atenção no que Rafael dizia.

     -¡Mira lo que has hecho! –Ramon rugiu com a raiva percorrendo suas veias. Ele caminhou até a porta sem se importar com Tomás aos seus pés. O rapaz só pensava em atirar em Telma e acabar com tudo aquilo. Mas quando chegou até a janela, conseguiu visualizar milhares de policiais que vinham em direção a casa.

     Toda a sua coragem se esvaiu e Ramon engoliu em seco.

     Onde ele estava com a cabeça quando deixou a raiva falar mais alto?

     Ele se afastou alguns passos da janela e quase pisou no corpo inerte de Tomás.

     O que ele havia feito?

     Ele iria acabar sendo preso pelo resto de sua vida. E mesmo se não fosse a prisão física, seria a psicológica.

     Ramon nunca se perdoaria.

     Dispara contra tu cabeza y acaba con eso. Uma voz sussurrou e Ramon olhou para a arma em suas mãos. Era isso que ele deveria fazer tirar sua própria vida e acabar com todo aquele inferno de uma vez.

     Antes que Ramon pudesse levantar a arma até a sua cabeça, Rafael como se previsse seus atos, conseguiu arrancar a arma de suas mãos e empurrar o garoto com toda força ao chão.

     -Rafael! –Ramon choramingou.

     -Eu não vou deixar você fazer isso.

     -Eles irão me prender! A minha vida acabou!

     -Nada disso! A sua vida só está começando. –Rafael o encarou. –Eu acredito em você.

     -Mas...

     -E Deus também.

     Ramon não aguentou e deixou as lágrimas virem.

     Quando os policiais entraram, mesmo com medo o jovem se entregou.

Feito de PedraWhere stories live. Discover now