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Saí um pouco abatido da meditação, não foi como eu esperava

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Saí um pouco abatido da meditação, não foi como eu esperava. Não mesmo.

Devia ter umas... três semanas que eu estava ali? Talvez mais, talvez menos. Não sei.

Ainda assim, o dr. André me pareceu muito desanimado, frustrado. Sua prancheta nunca me pareceu tão cheia de anotações.

Fui levado, então, para a atividade em grupo.

Era a pior parte do dia.

Naquele momento, me lembrava que não era só eu na casa.

Tinha Margaret, José, Roberto, Ilineu, o outro José que a gente chamava de Zé, Ricardo, Maria, Cida, a irmã da Cida...

Enfim, tinha muita gente.

Nós ficávamos num pátio e começávamos a conversar e limpar a bagunça da noite anterior.

— Fala pirralho — cumprimentou-me o Zé.

Zé era um cara legal, devia ter uns cinquenta anos e era tão magro quanto eu. Ele curtia muito a pedra, quase morreu umas três vezes antes de ser levado pra Casa.

Ele gostava de mim, me dava muitos conselhos e contava todas suas histórias malucas de como roubava coisas inimagináveis para pagar as dívidas.

No dia que eu cheguei ali, o Zé chorou.

E muito.

Eu não entendi o porquê, mas ele simplesmente não conseguia falar pra explicar de tanto que estava entregue ao choro. Dona Robertina quase chorou junto dele também.

— Gostou da dinâmica de ontem, Zé? — Perguntei genuinamente curioso. Eu que tinha escolhido.

— Ah sim, muito. — Riu e tossiu um pouco antes de continuar. — O Lineu não superou aquele seu gol até hoje.

Rimos e continuamos a limpar. Corri os olhos pelo pátio e estranhei a falta de Margaret.

— Ela tá na vazia, garoto — informou-me o Zé, ele sabia da queda que eu tinha pela mulher. — Acordou querendo tomar um chá, se é que me entende.

Assenti e baixei os olhos, quis chorar.

O processo de abstinência não era fácil, não mesmo. Me lembrava de meu pai num daqueles acessos.

Era como uma besta, um animal.

Minha mãe liberava tanto eu quanto Regina e saía à procura de mais droga para acalmá-lo.

Enquanto isso, meu pai destruía a droga do barracão.

Um dia, eu decidi ficar no meu quarto. Não sei o que me deu na cabeça.

Eu estava dormindo quando ele entrou e, usando um pedaço de madeira, me acordou à pauladas.

— Me dê! Me dê a porra da droga! Onde está?! — Gritava.

Tentei me esquivar, fugir dali. Eu tinha trancado a porta, como ele entrou?

Se minha mãe não tivesse tamanha habilidade em conseguir comprar os suprimentos nas piores horas, eu teria...

Bem, fisicamente ela me salvou.

Mas eu já tinha morrido. 

Espelho, Espelho MeuWhere stories live. Discover now