INTRODUÇÃO

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"Seus dedos seguraram a fina mão enluvada, levando-a aos seus lábios, sussurrando palavras ternas que expressavam toda a devoção de Lorde Billington à sua dama..."


O clique insistente de minha caneta poderia ser ouvido do outro lado da sala?

Tudo bem que aquele era um procedimento padrão, mas eu jamais deixaria de ficar nervosa ao assinar um novo contrato. Sempre parecia que era a primeira vez que eu me sentava naquela sala, esperando com a minha caneta da sorte para dar o pontapé que levaria minha carreira ao seu ápice.

Porém, aquela não era a primeira vez, nem a segunda. Os milhares de exemplares vendidos, as resenhas aclamadas pela crítica, as centenas de e-mails de fãs que chegavam agradecendo e elogiando mostravam que eu havia conquistado tudo o que eu sempre quisera.

Finalmente era uma escritora. Minha vida era finalmente da maneira que sonhei, escrevia as mais belas histórias de amor e ainda era paga por isso. Emocionava a mim mesma com palavras cuidadosamente escolhidas e personagens pelos quais eu mesma se apaixonava e ainda era agraciada com comentários positivos de críticos e leitoras, sim, afinal a maioria delas eram mulheres como eu que adoravam passar seus tempos livres com um bom livro e uma xícara de chá. Eu realmente vivia um sonho.

Naquela manhã, havia sido chamada à sede da Editora Willians & Brothers para uma reunião com a editora chefe. Nem precisava pensar muito para adivinhar o motivo daquela reunião, já que recentemente eu havia mandado meu novo manuscrito via email, então por isso eu já havia trago inclusive minha caneta da sorte, a que eu sempre usava para assinar meus contratos.

Inclusive já estava ansiosa para escolher a nova capa e participar do lançamento. Talvez isso explicasse porque os cliques da caneta continuavam ecoando pela sala: ansiedade.

O rosto simpático de Andrea, minha editora, apareceu no vão da porta e sorri para ela, radiante. Eu devia todo o meu sucesso àquela mulher. Se ela não tivesse me dado uma chance anos atrás, hoje eu não viveria tão feliz e realizada sendo uma escritora reconhecida internacionalmente com meus romances históricos.

- Fico feliz que tenha vindo, Jessica. - cumprimentou ela, quando me levantei, deixando que ela desse dois beijinhos em meu rosto. Estranhei o fato de Andrea não trazer nenhuma pasta em suas mãos, menos ainda papéis, o que justificaria perfeitamente a minha presença naquela sala. Eu estava ali para assinar o contrato, certo?

Calmamente, Andrea sentou-se diante de mim, cruzando suas mãos em cima da mesa como se ponderasse sua fala, pensando exatamente que palavras usar para me comunicar alguma coisa.

Oh, não. Eu podia sentir o cheiro de maus agouros. Já conseguia inclusive me ver recebendo a terrível notícia de que eles não queriam assinar mais contrato nenhum comigo e começar novamente toda aquela peregrinação atrás de novas editoras. Eu adorava a Willians & Brothers , não queria outra editora. Que eles não me dispensassem, por favor, que não me dispensassem.

- Não sei exatamente como dizer isso, Jessie...

- Apenas diga, Andrea. Apenas diga. - pedi já nervosa.

Talvez a ansiedade fosse realmente um dos meus piores defeitos. Eu era experiente em passar noites insones esperando eventos no dia seguinte, chegar sempre adiantada e não conseguir comer em vésperas de ocasiões importantes.

- Pois bem. - Andrea suspirou - Os diretores fizeram uma reunião após uma pesquisa sobre os hábitos de leitura atuais e perceberam que seus livros, embora muito bem vendidos e donos de um público fiel, não são exatamente o que as pessoas andam querendo ler hoje em dia.

Acomodei-me melhor na cadeira, observando minha editora por cima dos meus óculos, esperando que ela me desse uma resposta mais coerente do que a que ela havia me dado.

- Como direi isso...? Hmm, bem, Jessica, eles acham que livros com temática erótica são mais vendáveis do que os livros que você escreve.

Revirei os olhos. Eu acompanhava a lista dos mais vendidos com afinco. Nos últimos meses, os livros eróticos praticamente dominavam a lista, seguidos de biografias de artistas pop e livros de auto ajuda e culinária vegan. Não desmerecia suas autoras e autores, alguns dele eram até bem escritos, fazendo com que a leitura de cenas tão picantes fosse natural e não embaraçosa. Mas não era algo que eu me sentia confortável lendo, imagine então escrevendo.

Meus livros históricos refletiam o melhor de minha natureza romântica, eu não era uma Deusa Sexual e nem adiantava sonhar que seria, justamente por isso nem me arriscava em escrever nada nessa área. Eu me atava ao que eu conhecia. Amores puros, históricos e com a quantidade adequada de contato carnal.

- Estão me dispensando?

O meu tom de voz denotava claramente o meu desespero, mas não me importava. Eu não queria mesmo procurar outra editora, estava prestes a derrubar lágrimas por minha saída da Willians & Brothers, quando Andrea também começou a se apavorar.

- Não, Jess! Pelo Contrário. Você é a galinha dos ovos de ouro dessa editora. Queremos que continue conosco por um bom tempo. E é por isso que temos essa proposta.

Meu olhar deve ter dito à Andrea que ela não precisava sondar terreno ou tomar fôlego para me contar o que fosse. Estava tão ansiosa pela proposta que ela poderia despejar o que for, conquanto que dissesse logo.

- A diretoria quer te propor um contrato de oito anos. Tudo o que você escrever pelos próximos oito anos, será publicado, sem pré-aprovação, porque confiamos em seu trabalho.

Eu não era tola. Sabia que havia um "mas" gigantesco no final daquela frase. E pela conversa inicial, já tinha uma vaga ideia do que eles queriam de mim. A única dúvida ali era: eu seria capaz de escrever algo assim?

- Você só teria que escrever um livro, digamos... mais quente. Da forma que você preferir, Jessica, ficaria a seu critério. - ela parecia ainda mais nervosa, acenando com a cabeça, como se tivesse medo de me ofender com a proposta.

Não, eu não estava ofendida. Só preocupada. Como eu poderia escrever um livro assim?

- Então, o que me diz?

Minha resposta decidiria a minha vida profissional. Aceitar escrever aquele livro e continuar na editora, com um maravilhoso contrato para mais oito anos de maravilhosas histórias de amor ou reconhecer desde já que não conseguiria jamais escrever algo erótico e quente, como estava na moda, e deixar a Willians & Brothers?

Andrea me encarava com esperança, pronta para repassar o que quer que eu respondesse aos diretores. Respirei fundo e pensei por alguns instantes.

E assim, dei minha resposta.


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