DÉCIMO SEGUNDO

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Um dos marujos sentou-se ao seu lado, tomando o cuidado de afastar-lhes as saias para mais perto da moça e apenas esperou. A lua estava alta no céu e ainda que soubesse que a senhorita não devesse estar ali, no convés, àquele horário, permitiu-se deixá-la apreciar a beleza da enorme lua clara refletindo-se na escuridão do mar. Uma das cenas mais belas da natureza. O som das ondas sendo quebradas pelo enorme navio não era o único ruído a preencher o ar. Havia um leve som que o sensível marujo, criado entre várias irmãs, reconhecia sem problemas. A pobre donzela estava aos prantos. Marinheiros tinham poucas opções de diversão em alto mar, por isso a fofoca e as apostas eram um dos principais divertimentos dos homens a bordo, então todos sabiam que o seu capitão passava mais tempo do que necessário nas celas, bem como conheciam o fato de que recentemente a prisioneira fora remanejada para a suíte do próprio pirata. As apostas se baseavam sobre quanto tempo o Corsário Negro levaria antes de decidir abandoná-la em algum porto. Falavam-se em dias, semanas e um deles arriscou até anos. Porém, nenhum deles possuía a percepção daquele marujo em especial. Nenhum deles notou que os olhos da senhorita estavam mais brilhantes e nem notaram seus suspiros sem razão. Havia um sentimento ali, um nascido num ambiente hostil demais para prosseguir vivo e saudável. Aquelas lágrimas que ela derramava agora, ao seu lado, eram apenas o início de um severo pranto. Sem saber como consolá-la, apenas permitiu que a brisa lhe secasse as lágrimas e o tempo lhe dissesse o que fazer, com sorte, haveriam frutos bons daquele amor tão cruel.


- Eu sei o que eu estou fazendo, Peter.

Meu melhor amigo cruzou os braços e encarou-me de uma maneira que não precisava da utilização de palavras. Anos de amizade tornaram a leitura das expressões um do outro mais simples e fáceis. E naquele momento, mesmo sem dizer absolutamente nada, eu sabia que ele questionava completamente o que eu estava dizendo. Ergui meus olhos para encará-lo mais uma vez, e notei que a sua expressão não tinha mudado em nada. Ele ainda estava esperando que eu reconhecesse meu erro e concordasse com ele em sua resolução.

Ergui o olhar, observando-o continuar com sua expressão completamente paterna e virei os olhos, voltando minha atenção para a tela do meu computador onde grande parte do meu livro estava pronta. Aparentemente, me trancar no escritório com garrafas de energético e barras de chocolate, ignorando telefonemas de Theodore Newman eram uma forma muito eficaz de garantir o meu lado criativo em funcionamento constante.

Essa era a perfeita explicação para meus cabelos grudentos e bagunçados e a minha face amassada e pálida. Eu estava há três dias vivendo de chocolates e energéticos sem colocar os pés para fora daquele escritório antiquadamente decorado. Além disso, havia feito questão de não levar o carregador do celular para o ambiente, justificando para mim mesma que atender telefonemas atrapalharia o meu processo de inspiração e criação.

Não precisávamos nem mesmo chegar a um consenso de que aquilo era uma completa mentira. Eu estava fazendo o que era mais fácil: correndo de Theodore e de tudo o que ele significava, afundando-me na criação do meu livro e na interação dos personagens porque era mais fácil lidar com tal situação do que com a minha vida real. Imersa nos sentimentos dos meus personagens, eu conseguia ignorar por completo meus sentimentos em relação à Theodore.

O fato de meu Corsário Negro ter longos cabelos castanhos e olhos verdes era apenas uma coincidência. Eu poderia ter escolhido olhos azuis, mas achava que a cor verde soava mais marinha. Assim como o fato de haver uma cicatriz em forma de asas nas costas do pirata. Talvez ele quisesse dominar os céus como ele dominava os mares. Não tinha nenhuma relação com o homem que vinha povoando meus pensamentos e sitiando meu coração. Eu inclusive requereria junto à editora para que o termo de "personagens meramente fictícios e qualquer semelhança com fatos reais serem mera coincidência" fosse inserido junto aos créditos.

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