Prólogo

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Prólogo

Um show de entrevistas noturnas, com convidados ilustres e pautas interessantes, sempre seria bombardeado de audiência. Em canal notório londrino, não seria muito diferente. Na verdade, ajudava ainda mais para que os holofotes fossem mais brilhantes do que o Astro Rei, no topo dos céus.

E a convida em especial, a última da noite, levantava a audiência ao extremo. Tanto que o Showverse havia levado o programa a mais comerciais do que aguentávamos. A plateia, sobretudo nas primeiras fileiras, precisava sustentar o sorriso feliz durante todo o tempo. Quando as câmeras passavam, tínhamos de nos mostrar contentes, ou seríamos expulsos.

Mas eu estava me corroendo. As unhas curtas dos meus dedos estavam quase na carne, porque eu não conseguia tirá-las da boca. E as dezenas de luzes em todos os lados não aliviavam o calor. Os comerciais só eram bons porque os ar-condicionados ficavam mais potentes, mas as voltas eram torturantes. Eu só estava ali para vê-la.

Eu queria fitar Genesis Roux de perto.

Assim que Mark Philip Jenkins — não era o autor e docente —, o apresentador do programa, anunciou o nome da pessoa mais aguardada da noite, meus órgãos foram à falência. Eu, médica formada há três anos, não teria condições de levar aquilo até o final. Só com a menção de seu nome fazia todo meu corpo chacoalhar de diversas maneiras.

Genesis Roux adentrou o palco principal e levou não apenas eu ou Mark Philip Jenkins, que não era o professor, à loucura, mas todos os milhares de telespectadores que nos assistiam ao vivo. Não era graças à beleza irreparável dos cabelos longos e pretos, dos olhos faiscantes azuis ou do carisma que exalava em todos os poros, mas sim porque Genesis Roux tinha um legado. Uma marca.

— Ah, uma grande honra tê-la aqui, Madame Roux — disse Mark. Ele era um bajulador nato. Provavelmente estava inebriado com a nova presença. E quem não estava? Até mesmo eu, que sabia do histórico daquela mulher perversa, estava hipnotizada. — Muito obrigado por nos dar esse privilégio de conversar contigo antes de qualquer outra plataforma, mídia. De verdade.

— A honra é toda minha. Sou fã do programa. Todo mundo quer ser entrevistado por Mark Philip Jenkins — Genesis Roux, com seu sotaque francês carregado, gracejou. — Obrigada, Mark.

— Sinto já que somos muito amigos — respondeu o apresentador, igualmente cativante. A plateia riu, e fingi me animar da mesma maneira. Eu só estava focada nos olhos dela, embora estes não estivessem sobre mim. — Bom, você sabe quais são nossos assuntos de hoje. Primeiramente: gostou do suco de laranja do camarim?

— Na verdade, eu preferi o vinho — respondeu Roux. Mais risadas soadas. — Talvez eu esteja ligeiramente ébria.

— Ainda bem que é um programa noturno, não? — Mark devolveu. Roux acompanhou a plateia, que já amava aquilo com os risinhos soltos. — Nada mais justo do que dizer que você vai foder com quem te fodeu, Madame Roux. É o horário apropriado.

Genesis Roux procurou a câmera por um segundo. De alguma forma, até mesmo os objetos inanimados eram atraídos para sua órbita. Ela sorriu de canto. Os lábios, envolvidos pelo vermelho, deixavam-na mais poderosa. Havia tanto intelecto ali que era impossível qualquer teste de QI classificá-lo.

— Eu nunca diria isso, Mark.

— Por que não? Estou dando a oportunidade em rede nacional. Muitos dos seus fãs ficaram indignados, e a senhorita só voltou por causa deles. Estou errado?

— Certíssimo. E uso da oportunidade para agradecê-los do fundo do meu coração ainda pulsante. Se não fosse por eles, a Alquimia Roux não retornaria após o golpe. Nós precisamos ajudar os estudantes, preservar o conhecimento, intensificar os estudos — Genesis discursou. Uma pena que eu não caía em sua lábia. Talvez fosse a única, porque todos estavam tão concentrados nela. — Nós existimos para tentar, cada vez mais, igualar as chances lá fora. Somos muito privilegiados, Mark. Temos uma boa condição financeira, somos brancos, tivemos chance de estudar sem precisar trabalhar. Eu não sou uma militante de Twitter; eu faço acontecer. Tento usar meus privilégios da melhor forma que consigo, mesmo sendo um ser falho.

As palmas vieram. Eram um banco de hipócritas. Na primeira queda do Império Roux, muitos puseram mais lenha para manter Genesis Roux e companhia no chão. A escritora, empresária e tantas outras coisas, de fato, fazia muito. Alquimia Roux, o trabalho em parceria com Universidade de Glasgow, bibliotecas, locais da arte e conhecimento havia mudado muitas vidas. E destruído outras.

Os Bewforest, a minha família, estava envolvida naquilo. Uma grande e bonita fachada estava por frente da Alquimia Roux, porque, longe das câmeras, os lobos saíam para caçar. Genesis Roux, no entanto, era a víbora manipuladora entre tantos. Com o rosto angelical e frases de problematização, sua "boa condição financeira" de bilhões movia um soberania criminosa. Nocivo. Ela era a porra de uma droga.

E eu estava disposta a derrubá-la. Em nome de mamãe, que morrera por sua culpa, e em nome de vovô, quem perdera tudo por causa de Genesis Roux e seus aliados.

O programa prosseguiu com mais perguntas sobre a décima quarta edição da Alquimia Roux, que selecionava jovens promissores de baixa renda para ter diversos patrocínios, mas Mark retornou ao tópico de "vingança". Será que ele estava lendo minha mente?

— Só tenho de passar bondade, Mark. Como falei, somos falhos, mas pretendo fazê-los pagar de outras formas. A guerra foi declarada há muito tempo com toda a separação e injustiça sendo tomada. Muitos morrem pela boca, não é mesmo? As mentiras sempre caem, porque frutos podres não se mantém no topo da árvore.

E, por alguma razão inexplicável do universo, Genesis Roux alinhou seus intoxicantes olhos da cor de ciano aos meus. Bati as costas na cadeira acolchoada onde eu estava, como se pudesse fugir da penetração. Não, não. Ela estava realmente me enxergando?

Meu nariz escorregou. Pus a mão inconscientemente na região molhada, notando o carmesim ali. Não parou de cair sangue nem mesmo após a mulher retirar seus orbes de cima de mim, mas não esperei o comercial para me levantar e sair correndo.

Oi, oi, vadias e vadios (insere um emoji com dois corações nos olhos).

Eu estava para trazer o prólogo e o primeiro capítulo só mais tarde (no futuro, saibam que postei mais ou menos 1h50 da madrugada de uma sexta-feira, novembro 06, chuva e frio aqui em São Paulo), mas o livro saiu completo na Amazon antes do previsto. Então toma! Vim equilibrar.

É o primeiro contato com as personagens, a trama mirabolante, os cenários... Tenham muita paciência com minhas meninas, ok?

Agora, digam-me tudo o que acharam. Estou aqui de braços abertos para carinhos quânticos!

Carmesim | LésbicoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora