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Novembro, 7

O dia seguinte se apresentou de forma estranha. Ninguém fez barulho logo ao amanhecer, então consegui dormir tranquilamente. Além disso, minhas irmãs não me acordaram para ajudá-las com o skincare, como já era de costume quando eu aparecia na fazenda. Eu sempre trazia produtos que não tinham em Lockton e todo mundo, incluindo meu pai, fazia a festa. Mas sabia que, mais tarde, as duas viriam me procurar. Ninguém, naquele momento, estava disposto a quebrar a calmaria.

E o dia, como a manhã, foi-se entardecendo de maneira contrária ao que eu esperava. Eu não ouvi nenhum: "o que está fazendo por Lockton?", nem mesmo: "e a faculdade?" ou, então: "e suas namoradas?". Tudo bem corriqueiro na minha família. Pude preparar meus pratos especiais sem minha madrasta me expulsar do fogão (e olha que eu cozinhava muito bem), Bardolf não me chamou para cavalgar e nenhum vizinho veio me ver, sendo que, aparentemente, eu era uma celebridade para muitos.

Vovô Kobb também não saiu da sua toca. Eu vi quando Hazel e Liza levaram o almoço do velho, mas elas não comentaram nada sobre tê-lo em nossa companhia mais tarde. Talvez, eu pensava, o homem não quisesse me encarar depois que falei sobre a Universidade de Glasgow. Todos os Bewforest sabiam que Vovô Kobb ainda era apaixonado pelo instituto, mas jamais tinha intenções de retornar.

E todos, também, sabiam o motivo — ou melhor, sabiam o nome.

Aproveitei apenas para empacotar os diários de mamãe, porque não entraria neles tão cedo. A viagem estava prevista para dali a alguns dias, mas eu não começaria a lê-los. Afinal, estaria dando passagens para alguns fantasmas me atormentarem, e eu estava com tudo controlado para deixar as emoções me sucumbissem assim.

Baxter, assim que escureceu, convidou-me para uma "resenha" entre seus amigos. O relógio marcava apenas quatro horas da tarde, mas o Sol já havia desaparecido. Hugh e Timothy Oston, meus irmãos do primeiro casamento da minha madrasta, também encheram o saco para nos acompanhar. Demorei para convencer nossos pais que cuidaria dos dois. Muita responsabilidade, sim, mas os meninos se comportavam na medida do possível.

Deixei um bilhete na caixa de correios de Genevieve Welch para que ela me encontrasse pela noite, mas o meu sexto sentido dizia que ela não viria sorrateira ao celeiro. Se não dera as caras mais cedo, não surgiria com um chamado daqueles. Mas eu tinha de tentar contato antes de ir embora. Não podia correr o risco de deixar algo na mão de algum dos meus familiares e acabar com alguém torrando as economias — os Bewforest gostavam daquilo.

— Eu queria tomar um conhaquezinho. Será que eu posso? — Timothy indagou no meio do caminho.

Ele era alto demais para um adolescente de dezesseis anos, magro e extravagante. Era a energia de qualquer festa, chamava atenção fácil e tinha tudo na ponta da língua; por isso eu o amava na maior parte do tempo. Seus cabelos também eram ruivos, bem característicos dos Oston, mas ele tinha sardas, algo que Hugh não tinha. Os olhinhos eram miúdos, daqueles que sorriam junto dos lábios, o castanho das íris dando mais um charme.

— Daqui dois anos — falei. Eu não era  uma pessoa chata e rústica demais, porém prometi que cuidaria dos dois e não queria ninguém chegando bêbado. Sem contar que era crime embebedar menores de idade. — Vai ter uns energéticos, Tim. E música.

— Espero que toque algo que preste — Tim resmungou, mas logo tomou a dianteira com o corpo remexendo em alegria.

— Tipo o quê? — Hugh debochou. Sabíamos que Timothy diria algo tipo Abba, ou Dua Lipa, ou Britney Spears.

— Tipo... — Fingiu pensar. — Dua Lipa, sabe? Florence and The Machine!

— Ainda bem que não pediu por Britney Spears — Baxter brincou também. Eu segurei a risadinha, porque não queria que a noite fosse ruim para Timothy... Por mais engraçado que fosse zoá-lo. — Eu sei cantar Baby One More Time. Você quer ouvir?

Carmesim | LésbicoWhere stories live. Discover now