| 2 |

495 49 127
                                    

Novembro, 6

Eu ouvia a voz de papai gritando como se alguém houvesse morrido, mas sabia que apenas se tratava de uma jarra de café que havia parado no chão. As paredes dos quartos eram grossas, mas era inevitável não escutar sua voz grave berrando em quinhentos cantos. Até acordei no susto e demorei para relaxar. Estava desacostumada com seus gritos constantes.

Abri os olhos devagar e sentei-me na cama, passando as palmas contra o rosto amassado. Devia ser somente umas sete horas da manhã, porque os raios solares começavam a aparecer. Eu não estava bem para levantar tão cedo, ainda mais no período das férias que me dei, mas não conseguiria voltar a pregar os olhos.

Rodei minha cabeça e percebi que minhas irmãs, Hazel e Liza, já haviam se levantado. O único que dormia preguiçoso era Bardolf, o caçula que unira os Bewforest e os Oston. Sua calça de moletom borrada estava torta no corpo pequeno. As meias eram maiores do que seus pés, mas eu sabia que era tudo um plano para conseguir escorregar com mais facilidade pelos cômodos da casa. Os fios de cabelos, impecavelmente ajeitados, por incrível que parecesse, eram de um castanho-avermelhado inconfundível. E os olhos, quando abertos, pareciam de gatos: amarelos e ligeiros.

Escapuli da cama antes de acordá-lo. Ele era sortudo em não precisar se levantar com os galos para ajudar na fazenda. Caminhei para fora do aposento e tive de recuar dois passos, antes de um jovem gigante me esmagar com uma caixa do mesmo tamanho.

— Baxter! — exclamei. Ele já foi mais cuidadoso.

— Maddie, Maddie! — respondeu com um sorriso simpático. — O que faz acordada tão cedo? As visitas podem dormir até meio-dia.

Fiz uma careta. A porta do banheiro estava logo à frente do meu irmão, mas não dava para passar sem empurrá-lo para longe.

— Até parece que consigo dormir com esse baralho todo. E eu gosto de aproveitar o dia — expliquei, bocejando. Bem que eu gostaria de dormir mais um pouco.

— É que derrubei a jarra de café. Precisei tirar essas coisas da cozinha. Sabia que estamos reformando? Papai quer tudo de mármore agora. Vendemos uns cavalos de raça, sabe? Agora podemos tirar as torneiras ruins — Baxter falou apressadamente com seu sotaque escocês. Eu mesma tinha um igual, mas era bonitinho e engraçado ouvir de outra pessoa, ainda mais há tanto tempo sem vê-la.

Depois de mim, Baxter e Hazel, gêmeos de vinte anos, eram os mais velhos. Eles não se davam bem, uma vez que Hazel era extremamente responsável e madura, enquanto Baxter era um delinquente com sua estrutura corporal enorme e cheia de músculos. Ele tinha os cabelos escuros, pele negra e olhos cor-de-mel como todos os Bewforest, mas era muito parecido com nossa falecida mãe. Até mesmo a forma de andar e falar, exagerando nas entonações e gestos.

— Vou conseguir fazer um bolo em um forno moderno? — indaguei.

— Sim! Você não viu isso ainda? Meu Pai, você, a criatura que mais gosta de cozinhar, não deu uma averiguada na cozinha? Talvez o tempo em Edimburgo não esteja te fazendo bem — Baxter tagarelou, mas eu ri com sua ofensa. Ele era divertido e carismático demais para eu fingir que estava magoada. Além disso, ele estava correto; eu deixei de cozinhar desde que cheguei em Edimburgo.

— Eu sei que a Dorothy não vai me deixar mexer. O cardápio não é muito variado, mas ela não me deixa acrescentar em nada! — comentei.

Encostei na porta e observei o meu irmão sacudir os ombros. Como ele conseguia manter a caixa aparentemente pesada tanto tempo em seus braços? 

— Ela acha que Bardolf está engordando.

— E qual o problema? — Cruzei os braços. — Você era gordo mais novo. Não deixava de ser saudável.

Carmesim | LésbicoWhere stories live. Discover now