Helder Coulin II

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Lembro que chegamos à um ponto em que todos os dias gritávamos pela casa, Larson me odiava, ele percebeu que eu estava vacilando. Lembro do dia em que ele saiu de casa sem bagagem alguma, Suziany gritava comigo, o assunto era traição, coisa que abala todas as relações seguras, a segurança só proporciona mais insegurança. Larson parou a nossa frente com a cara trancada e então sem dizer uma única palavra se dirigiu a porta e saiu. Não ouvíamos falar dele, estávamos muito preocupados, e isto nos uniu mais uma vez, aquele acontecimento nos tirou da nossa zona de conforto e da mesmice, nos tirou do monte para a planície, aquele aborrecido estaticismo havia sumido, entramos em uma zona de perigo que na verdade foi um estado de vida, eu notei que depois de Larson ter saído de casa as coisas haviam voltado ao normal, não pela sua ausência, mas porque agora tínhamos algo para resolver, não tínhamos mais razões para nos entediarmos com conversas sem fundamento, por um momento esquecemo-nos de nós e tudo que existia era um problema a ser resolvido. Depois de três dias descobrimos que ele fora viver com um amigo na cidade ao lado, tentamos manter contacto mas ele não queria nos ouvir. Lembro de ver Suziany a chorar todos os dias, eu não suportava, então fui a procura de Larson.
Em uma manhã, que realmente era uma bela manhã. Mas que ansioso enxerga a beleza? Eu me levantei, olhei para o relógio na parede que marcava seis horas da manhã, fui ao quarto de banho e pus-me no banheiro pensado…
Mas aos poucos minha mente foi se calando, eu pude sentir a água banhando meu corpo, senti algo muito parecido à uma náusea mas sem a tontura acentuada. Eu vi. Sim eu vi tudo como se estivesse a assistir à um documentário, vi tudo o que estava acontecendo comigo, a escória toda. Estava tudo bastante nítido, o tédio, o ressentimento, a culpa e os medos, medos de todo tipo. Medo de perder, o medo de crescer, o medo da mudança e sobre tudo, o medo do desconhecido. Eu estava me tornando em um buraco negro provocando tremenda discordância em cada meio em que me envolvia, eu não estava causando problemas, eu era o problema, e vivia falando de amor mas que amor era este? Eu estava aprisionando todo mundo em minha volta com o meu ar de superioridade, achando que poderia mudar tudo em minha volta tentando transformar todos a minha imagem, e onde entra o amor aqui? Ela entra quando tenho de justificar a mim mesmo, ela é só uma desculpa. Que amor é este que controla? Que amor é este que separa? Desestruturei a única coisa a que eu chamei de família depois de ter falhado em tantas outras relações, mas aí estava a resposta bem na minha frente: Eu estava morto. Matei a mim mesmo para criar um ser melhor, um ser mais polido e grandioso, um ser que só da quando o lucro for controlar, uma marioneta que só é o que agrada, e que no fim acaba submetendo outros, me tornei no meu maior inimigo, eu me matei para criar um monstro aceitável e sufoquei todos a minha volta… estou morto! “Preciso me resgatar e urgentemente!”
Saí do banho todo leve, podia sentir aquela energia em mim, eu estava pronto para mudar tudo aquilo, eu estava com o “suco no copo” e não estava a fim de derramar tudo outra vez. Fui ao quarto e Suziany ainda dormia, escolhi a minha roupa favorita, aquela calça preta com apenas um vinco para cada (lado) com aquela camisa azul-marinho idêntico ao que utilizei na primeira vez em que entrei em casa de Suziany antes de nos casarmos e nos mudarmos para a vivenda.
Saí a pequenos e silenciosos passos para que o sapato não alarmasse minha esposa, fechei a porta delicadamente e pus-me no carro em direcção a cidade ao lado, SanCarlos é uma cidade calma, diferente de passoduto onde todo mundo vive na correria embora que minha vivenda ficasse meio que fora da cidade. O dia estava tão quente que pensei em como os homens das sorveterías devem estar à um passo de dominar o mercado, até mesmo em um dia de responsabilidade o dinheiro consegue manter sua posição no top dez da minha lista de conversas internas.
Segui o endereço que Suziany havia conseguido, não era de todo um local ruim, havia até uma maçaneta enfeitada de cavalo dourado e um feitio meio aborboletado na margem superior da porta e lá estava eu de cara com a porta, havia um senhor vendendo toalhetes há uns quinze passos a esquerda da rua, e muita gente passando por lá. Bati a porta, mas ninguém abria, bati insistentemente mas sem respostas. Me direccionei ao senhor que ali vendia, ele levava uma toca a cabeça e um parte-escorno preto como aquele do jogo de parte-escorno que havia dado á Larson.
-Olá senhor! – Saudei - Ele se virou e… Eu perdi metade de minhas forças, estava apavorado! Sua cara trancada transmitindo fúria e desprezo. Aquele vendedor era Larson.
- Larson o que estás a fazer?
- Eu é que pergunto o que o senhor faz aqui.
- Não fales assim comigo com este tom rude, eu sou o teu pai e estou aqui para te levar para casa, vamos Larson.
- Ir para onde! Eu já tenho casa, obrigado.
- Não tornes as coisas difíceis, a tua mãe ficou muito afectada com o que fizeste, ela agora nem dorme.
Larson acalmou-se imediatamente e o sentimentalismo deu lugar à uma nova preocupação…
-Como está a mãe?
-Ela não está nada bem, a falta de sono está a lhe deixar cada vez mais paranóica, mas hoje cedo quando acordei ela estava dormindo, de alguma forma o sono encontra uma forma de se recompensar, mas não sei até quando ela vai aguentar esta situação, você precisa ver a cara dela… Ela está cada vez mais pálida – Suspirei profundamente.
- O que estás à espera vamos logo, preciso ver a mãe – Dei um sorriso subliminar, acabava de o convencer e não foi tão difícil assim, Larson sempre foi bem mimado por sua mãe, não é de admirar que tenha se sentido tão emotivo depois do que lhe contei, duvido que naquele momento ele lembrasse da razão que o fez sair de casa, acredita ele só quis saber da mãe, não é questão de protecção, não tem nada haver com compaixão, é o medo. Todos nós nos apegamos à alguém ou à algo nesta vida, e quando a vida nos ameaça com a possibilidade de perdermos isto imagina o que acontece! Nós entramos em pânico, não por eles mas por nós.
-O Senhor é um irresponsável! Como pode deixar a mãe sozinha!
-Me respeita eu sou seu pai.
-Não é meu pai, o senhor nunca foi meu pai.
-Para de dizer besteiras quem disse isto para você?!
-Esqueceu que eu vivo consigo! Eu ouço todas as vossas discussões. O pai as vezes dizia a mãe que não tinha porquê nos aturar, eu já não sou um menino sabia, eu sei bem o que significam estas palavras.
- É apenas o mal sangue do momento, filho, você sabe como é, a raiva faz-nos dizer coisas que não queremos dizer.

Eu estava a tentar desmentir uma verdade, ele tinha toda a razão, mas a culpa em partes não é minha, a raiva pode parecer uma simples emoção, mas ela é muito mais do que isto, a raiva nasce do nosso ressentimento, o ressentimento e a raiva são a mesma entidade, é como se o ressentimento fosse um bebé, ele vai crescendo aos poucos incubado em nossos corações até que de repente está crescido e aí, ele começa a se chamar raiva, não havia como evitar, eu fui fisgado pela lei do “Bota para fora”, acredita, tudo que entra sai, nada permanece tal como quem nasce morre, é uma lei indelével dessa droga de mundo, o movimento infinito.

Entre Ricos & Pobres - Conto Estendido - de Zenildo Brocca (Em Andamento)Where stories live. Discover now