2. A menina e o cachorro

342 8 4
                                    


A menina tinha cinco anos e vivia pedindo um cachorro. Qualquer cachorro. Grande ou pequeno, peludo ou não, bonito ou feio – até feio servia – desde que fosse seu.

Os pais já tinham a resposta decorada de tanto ser repetida, sempre a mesma: "O apartamento é pequeno, cachorro baba, solta pelo, late e faz barulho para os vizinhos. Você é muito nova para cuidar de cachorro e vai sobrar pra nós".

Não havia nada que a menina pudesse fazer, a não ser torcer, insistir e rezar.

Parece que rezar funcionou porque aconteceu algo muito próximo a um milagre.

A cadela de um casal conhecido teve nove filhotes e seus donos precisaram dar os bichinhos para quem se dispusesse a levar para casa um cachorrinho que ia crescer muuuiiito, de uma raça pouco amistosa, um verdadeiro cão de guarda. Definitivamente o tipo de cachorro que não se cogita ter num apartamento pequeno e que, além do mais, baba, solta pelo, late e faz barulho para os vizinhos.

Então fez-se o milagre.

Os pais da menina aceitaram um filhote que ficaria no apartamento pequeno enquanto fosse, ele, também, pequeno, até poder ser despachado, vacinado e independente, para a fazenda dos avós da menina, a algumas horas de viagem, para cuidar da propriedade.

A notícia foi dada no dia em que ela completava anos e, parte do presente, a menina podia escolher, dentre os nove cãezinhos da ninhada, qual seria o seu. Neste ano não teve festa, mas foi seu melhor aniversário. Escolheu um macho que, assim que a viu, saiu de perto da mãe e veio para perto dela.

- Não escolhi o Bob - ela dizia – foi ele que me escolheu.

Bob ganhou uma caminha no quarto da menina, uma vasilha de água e outra de comida, e muitos jornais espalhados pelo apartamento porque ficou claro, desde o primeiro dia, que não ia ser fácil ensiná-lo a só fazer o que tinha que fazer fora de casa. Também ficou claro que não seria fácil para Bob ficar longe de sua mãe e dos seus irmãozinhos.

Na primeira noite ele chorou, e a menina chorou junto quando seus pais transportaram a caminha do Bob para a cozinha e fecharam a porta porque ninguém consegue dormir com choro de cachorro dentro do quarto.

Chorou mais uma vez de manhã com a bronca que sua mãe deu por ter ido, ela também, no meio da noite, para a cozinha, onde amanheceu deitada no chão, sobre a sua colcha e o lençol que levou do quarto com ela.

Colcha e lençol postos para lavar, negociaram que Bob podia voltar para o quarto desde que não fizesse barulho, e a menina ficava com ele até que ele dormia, acarinhando seu pelo e sua cabecinha.

Bob esqueceu sua mãe e irmãos, e aprendeu a se segurar até que o levassem à rua. Esperava a menina chegar da escola, e mal ela entrava em casa ia à toda recebê-la, pulando, rodando, abanando o rabo, e só sossegava quando ela jogava a mochila no chão, se abaixava e o punha no colo.

Meses se passaram, Bob crescia a cada dia, e o colo teve que ser substituído por um abraço apertado.

A ida para a fazenda dos avós foi postergada para coincidir com as férias escolares. Iriam todos com Bob, e ficariam algumas semanas até que o cachorro se adaptasse à sua nova vida de cão de guarda.

A menina, em vão, rezava por um novo milagre. Pedia para o Bob ficar. Mas sabia que esse era um milagre ainda mais difícil de acontecer, porque Bob crescia sem parar, seu rabo esbarrava nos enfeites da mesa da sala, já tinha quebrado o buda de porcelana de estimação da sua mãe, roído os pés da mesa de jantar e rasgado uma almofada de seda do sofá, agora ao seu alcance. Quando a menina chegava da escola ele tinha que ser contido porque, de tanto latir e pular e rodar à sua volta, acabava causando acidentes como o dia em que a menina tropeçou na mochila deixada no chão para o abraço, e caiu batendo a cabeça na quina da mesa da copa.

Coletânea de ContosWhere stories live. Discover now