5. Outra história de avião

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"QUERO FICAR AQUI!"

Viajo muito e passo a escrever assim que me acomodo na poltrona do avião. Ajuda a passar o tempo. Escrevo o que me vem à cabeça ou sobre algo que presencio. Basta estar parada, sem poder sair do meu lugar até o avião pousar, e olhar em volta. Já vi muita coisa acontecer a bordo, desde o jovem musculoso que se agarra à poltrona do momento da decolagem à parada total do avião, ao senhor de aparência fina e educada que perde a linha e grita com a comissária porque o voo está atrasado. O que não me falta são cenas que podem virar histórias, mas nada como a que me contaram. E que, me garantiram de mãos juntas, aconteceu de verdade!

O sujeito vinha num voo internacional com conexão em São Paulo onde pegaria outro avião para o Rio, seu destino final. A viagem foi cansativa, o avião pulou que nem touro bravo por conta de uma tempestade e ficou rodando sobre São Paulo sem poder aterrissar. Acabou tendo que ser desviado para o Rio, destino final do nosso personagem. Já em solo, ele soube que não poderia desembarcar.

- Como não posso descer? Moro no Rio, quero ir pra minha casa.

- No puede, señor. Só podemos liberar os passageiros no lugar de destido do voo.

- O destino do voo não é o meu! O meu é aqui! Quero descer!

O tumulto estava formado. Outros passageiros, na mesma situação, também queriam desembarcar.

O homem, plantado em frente à porta do avião, mochila nas costas, insistia. Atrás dele uma fila se formava. Os comissários tentavam convencer os passageiros a voltarem para os seus lugares.

Então, deu-se o milagre. A porta foi aberta para que um funcionário do aeroporto entregasse uns papéis à tripulação. Os papéis entraram, o passageiro saiu.

- Volte aqui! Volte imediatamente! - gritava a aeromoça num "portunhol" que se pretendia português com sotaque carregado. – Vuelva acá! Vuelva acá!! – e seguia gritando enquanto barrava a fila atrás dela.

A polícia federal foi acionada.

- O Sr. tem que voltar para o avião. Não pode desembarcar – falou o policial.

- Posso sim. Já desembarquei. Sou cidadão brasileiro, estou em solo pátrio, essa nave é "alienígena" e essa senhora está querendo me sequestrar – e apontava para a comissária. - Cheque meus direitos. Não vou embarcar. Daqui não saio. Aqui é meu país.

O plano não planejado deu certo. A constituição brasileira e o direito de ir e vir se sobrepõem às normas da aviação. O homem estava em solo brasileiro e a companhia aérea não podia obrigá-lo a embarcar de volta.

- E a sua mala? O Sr. vai abandoná-la?

- Vou. E acho melhor desembarcar a mala também. Bagagem não pode ir desacompanhada. Vai que tem uma bomba...

Mala e passageiro ficaram em solo pátrio, e quem me contou a história não soube dizer o que aconteceu com os descontentes que tiveram que ficar dentro da aeronave "alienígena". Provavelmente esperaram a tempestade sobre São Paulo passar antes de decolarem para lá onde fizeram uma conexão de volta para o Rio!

Coletânea de ContosWhere stories live. Discover now