12. Palavras ditas, escritas e emojis

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Fui ao centro da cidade e voltei, os dois trajetos de metrô.

Na viagem de volta, numa das paradas, entraram no vagão em que eu estava duas amigas que, na falta de assentos vagos, seguraram-se na barra que estava bem próxima a mim. Sem que eu pudesse evitar, fui posta a par da vida amorosa de uma delas.

Como se estivesse num palco, a garota de uns vinte anos declamava num monólogo (na verdade um diálogo, mas como a outra falava baixinho, o que chegava aos meus ouvidos era um monólogo) o rompimento com o namorado. Não ficou claro o estopim da briga, provavelmente contado ainda na estação antes do trem chegar, mas ficou claríssimo, em alto e bom som, os desdobramentos que levaram ao fim do relacionamento.

Quieta no meu canto soube - eu e mais um vagão inteiro - que a nossa protagonista, chateada com sei lá o quê que o namorado fizera, ligou para conversarem. Ele atendeu rapidamente, não podia falar no momento, e ficou de ligar depois. O "depois" virou quase um dia inteiro e a mocinha se aborreceu com tanto descaso. Mandou, então, segundo ela mesma, uma mensagem de texto quilométrica pelo celular abrindo seu coração, se dizendo pouco valorizada por ele e pedindo que telefonasse para conversarem. Ele ligou logo depois e dessa vez foi ela quem não pôde atender. Assim que pôde, retornou sua ligação que caiu na caixa postal. Quem sabe o rapaz estaria no chuveiro, em reunião, no banheiro, na rua, e não ouviu o celular tocar? Mas nada disso passou pela cabeça da jovem que contou para a amiga e para a involuntária plateia que "ele não atendeu porque não quis, só para me chatear".

A essa altura eu já tinha desistido de ler meu livro e prestava a maior atenção.

A garota, como teria feito uma boa atriz numa novela - mas na verdade em genuíno sofrimento - aumentava o tom de voz, esfregava as mãos e revirava os olhos enquanto contava que, com todo ódio do mundo, pegou seu laptop e escreveu um e-mail decidida a romper definitivamente com o rapaz, outro texto quilométrico que ela, com o celular na mão, fez questão de ler para a amiga, frase por frase. Assim, pude acompanhar a íntegra da despedida patética declamada no palco do vagão, e que terminava com a garantia de que guardava boas lembranças dele, mas não queria mais vê-lo, que ele seguisse sua vida e a esquecesse de vez.

Me surpreendi. Onde estava o motivo de tanta raiva? A razão das mãos nervosas, dos gestos alterados, dos olhos revirados? Me senti uma bobona por ter embarcado em história tão idiota...

Não ouvi o que sua interlocutora tímida perguntou, mas imagino que tenha sido o que eu e meus companheiros de vagão nos perguntávamos: "E aí??"

- Ele - ela finalizou quase aos prantos - teve a audácia de responder o meu mega e-mail, que eu levei uma hora inteira para escrever, com três figurinhas: um polegar para cima, duas mãos rezando e uma carinha feliz!!! Morreu! Acabou! Isso é jeito de me tratar??!

Como a cortina descendo ao fim da peça as portas do trem se abriram e eu desembarquei na minha estação. Entendi o que sentia a jovem que falava alto alheia ao mundo à sua volta. A raiva maior não era pelo fim do namoro. Era pela desproporção. Um texto enorme x três figurinhas??

Fui para casa pensando nas dificuldades que um relacionamento enfrenta em dias de tantas formas e opções de se comunicar. Além de termos que driblar os encontros e desencontros inerentes à vida e ao dia a dia, agora nos equilibramos entre as palavras ditas (ou não, se for uma má hora para atender), as palavras escritas (em longas ou curtas mensagens) e - pecado dos pecados – e os emojis, tantas vezes incompreendidos.

De vez em quando fazem muita falta os bons, descomplicados e verdadeiros "olhos nos olhos". 

Coletânea de ContosWhere stories live. Discover now